Aureliano Neto*

Os Juizados Especiais Cíveis significam a efetiva possibilidade de garantir ao cidadão a porta aberta de acesso à Justiça. A Lei n.º 9.099, de 26 de setembro de 1995, que substituiu a Lei n.º 7.244, de 7 de novembro de 1984, revogando-a, estabeleceu esse franqueamento ao povo brasileiro, por força do disposto no inciso I do art. 98 da Constituição Federal, que outorgou competência aos entes federativos para criar "juizados especiais, providos por juízes togados, ou togados e leigos, competentes para conciliação, o julgamento e a execução de causas cíveis de menor complexidade (...), mediante os procedimentos oral e sumaríssimo, permitidos nas hipóteses prevista em lei, a transação e o julgamento de recursos por turmas de juízes de primeiro grau". Trata-se, na essência, de uma justiça de parte, a exigir o comparecimento pessoal dos demandantes à sessão de conciliação ou à audiência de instrução e julgamento, para a tentativa de, inicialmente, compor de forma consensual a disputa.  Não comparecendo, as consequências são: se o autor da reclamação não se faz presente, extingue-se o processo (art. 51, I), sendo condenado nas custas, caso não comprove motivo de força maior (§ 2.º da mesma norma); se não comparece a parte requerida, será decretada a revelia (art. 20), com o exame imediato dos seus efeitos.
O rito nos Juizados Especiais Cíveis é sumaríssimo, seguindo os critérios elencados no art. 2.º da Lei do JEC: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade. Tanto que, concluída a instrução, não haverá debates, e a sentença proferida sem maiores delongas. O recurso contra a decisão definitiva é só um (a exceção do extraordinário - Súmula 640 do STF), equivocadamente denominado de inominado. Na verdade, terminologicamente apenas recurso. Se não tem nome, não é inominado. O declaratório não bem um recurso, a não ser quando tem natureza infringente.
Duas fases comportam o rito: uma pré-processual, sem a participação do juiz ou juíza, que, vencida e não alcançada a composição amigável, segue-se para a fase propriamente processual, na qual a parte requerida apresentará defesa (contestação), contendo todas as questões que entender necessárias (exceções, impugnação do valor dado à causa etc.). Todos os incidentes suscitados serão resolvidos na audiência (art. 29), assim como todas as provas serão produzidas (aplicação do princípio da eventualidade, consistente na concentração dos atos processuais - art. art. 33). O procedimento não comporta prova pericial mais complexa, a não ser mera inspeção (§ único do art. 35). A sentença, a ser prolatada, não exige o relatório e deve ser a mais simples possível, com breve resumo dos fatos relevantes ocorridos, parte dispositiva. E nada mais.
Todos os atos praticados devem ser caracterizados pela simplicidade. Nada de pedido inicial longo, repleto de citações, ou de contestações padecendo desse mesmo vício, porquanto contrariam os critérios do art. 2.º da Lei 9.099/95. Do mesmo modo, as peças recursais. Partes e advogados, bem como magistrados, devem ter essa consciência. O ideal é que, como leciona a juíza Maria do Carmo Honório, da 1.ª Vara de Juizado Especial Cível de Campinas-SP e presidenta da 3.ª Turma do Colégio Recursal da 8.ª Circunscrição do Estado de São Paulo, "com um simples passar de olhos nas petições, o juiz entenda qual é a pretensão do autor e a resistência do réu. Facilitada a compreensão, o trabalho flui mais rapidamente". E acentua essa eminente magistrada: "A petição inicial e a contestação longas, incrementadas com transcrição de textos doutrinários e comentários óbvios e desnecessários, impedem ou dificultam o julgamento no ato, pois, nesse caso, o fácil torna-se difícil, graças ao inútil". Os Juizados Cíveis foram criados com o escopo de reduzir, ou mesmo eliminar, a litigiosidade contida, não podendo ser usado para finalidade diversa, que é expandir essa litigiosidade. Em contrassenso com o sistema, é que o que vem ocorrendo.E a sua finalidade é, essencialmente, conciliar, tanto que exige o comparecimento pessoal das partes aos atos processuais (sessão conciliatória e audiência de instrução), para tentativa de solução consensual do litígio. É uma justiça coexistencial.
Por isso mesmo, a designação de audiência una frustra o escopo da natureza não adversarial da Lei 9.099/95, retirando-lhe a sua essencialidade que é a busca da conciliação entre as partes, em que pese haver justificativa dos que a pensam em contrário.
Para melhor compreensão, acentue-se que se trata de uma jurisdição de equidade. Repita-se: essencialmente de equidade, diferentemente da contemplada pelo CPC, assim permitindo ao juiz ou à juíza (art. 6.º), no exame de cada caso, a decisão que entender mais justa e equânime, "atendendo aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum". A decisão, pois, é casuística, não ficando o julgador jungido a um padrão de conduta decisória, isto é, a um critério estrito de legalidade. Exemplificando: numa relação de consumo, diante de um consumidor endividado, pode e deve o julgador, no exame do caso posto, sentenciar, em razão da onerosidade excessiva, e deferir o parcelamento da dívida, independentemente de ter regras positivadas. O comando normativo do art. 6.º dá ao magistrado uma cláusula aberta para dizer o direito e fazer justiça. Essa é a outra faceta dos Juizados Especiais Cíveis, que, se não compreendida, é melhor que suas portas se fechem. Para compreender, é necessário não só viver a experiência de Juizados, mas compreendê-los.

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