Aureliano Neto*

O que diferencia os Juizados Especiais Cíveis, esta Justiça que se pretendia dos novos tempos e da mudança de paradigma, da Justiça Tradicional, a Comum, dos grandes e retumbantes foros, aprisionada no campo do formalismo do Código de Processo Civil? A conciliação, sobretudo. Sem a conciliação, a ser exercida à exaustão, efetivada em todos os seus momentos, na fase cognitiva e de execução (arts. 17, 21 e 53, § 1.º, da Lei n.º 9.099/95) e instrumentalizada por auxiliares da Justiça (art. 7.º da Lei do JEC), preparados para essa sagrada função de compor o litígio, buscando a solução consensual, os Juizados perdem o seu sentido, a sua finalidade de Justiça moderna, voltando a vestir a velha, surrada e carcomida roupa da Justiça do passado, que tanto se quis modernizar com a instituição da Lei 9.099/95. Dizem que do pó viemos e ao pó retornamos. Os Juizados Cíveis estão retornando, infelizmente, a ser a mesma velharia que se condenava em passado bem recente. Inclusive com aplicação por Turmas Recursais de regras de procedimento do CPC, aqui já objeto de comentários nos textos anteriores. Insisto e persisto: Juizado Especial não é Vara. E volto a repetir: Vara é Vara, com o formalismo exacerbado próprio do Código de Processo Civil. A parte autora quando vai ao Juizado Especial sabe dos critérios que o norteiam e servem de parâmetro: oralidade, simplicidade, informalidade, economia processual e celeridade, além da busca incessante da conciliação.
No rito do JEC, o CPC é um estranho no ninho. Só quando expressamente chamado pode participar do curso do processo. De outro modo, não. O STJ, que tem cometido alguns graves pecados, ainda assim, já disse isso ao manter intacto o teor do Enunciado 80 do FONAJE, que trata do preparo recursal incompleto, não permitindo intimação para complementação.
A minha querida amiga, a Juíza Maria do Carmo Honório, em trabalho coletivo, publicado em Juizados Especiais Cíveis, Ed. Campus Jurídico, 2010, p. 79, esclarece que "a conciliação é, pois, o ato processual mais eficaz e econômico para solucionar as demandas, principalmente na era contemporânea, em que a sobrecarga de trabalho que recai sobre os membros do Poder Judiciário dificulta uma prestação jurisdicional eficiente e rápida". Kazuo Watanabe, também citado por Maria do Carmo, fala em uma alternativa inovadora que procura reverter a excessiva profissionalização da justiça. Ressalte-se: conciliação não é um instituto tão atual como se pode pensar. É bem velho. Vem dos romanos. No sistema brasileiro, a Constituição Imperial exigia que fosse tentada antes de todo processo (e não todo o), como requisito para sua realização e julgamento da causa. Por isso, audiência uma, tão decantada por alguns, é retrocesso, constituído-se na contraface negativa dos Juizados.
Watanabe conclama que o juiz brasileiro tem encravado em si a cultura da sentença. Bem. Aí só Freud para, chamado do além, explicar. Ainda assim, acrescento: não é só o juiz brasileiro que tem a cultura da sentença, mas os nossos tribunais, com exceções,  e a avassaladora maioria dos advogados, cuja formação é para a litigiosidade, manifestando esse vício nos Juizados com imensas petições, até mesmo para fazer simples pedido. Não são raras defesas recheadas de inúteis e protelatórias preliminares, entre as quais a de inépcia da inicial, como se em Juizado tivesse que ser seguida a regra do 282 do CPC, que se refere aos requisitos excessivamente formais da petição inicial, enquanto a Lei 9.099/95 não faz nenhuma referência a essa peça inaugural, porém ao simples e informal pedido inicial (art. 14). E só.
Ultimamente, descobriu-se a pólvora nos Juizados Cíveis. Está a se deferir, extinguindo-se processo a torto e a direito, a preliminar de falta de interesse processual. Equivocadamente, em algumas demandas, entendem que a parte "interessada" tem que primeiro pleitear administrativamente, para daí surgir a necessidade e utilidade da pretensão de quem recorre ao Judiciário. Há um engano a esse respeito, por se tratar de procedimento em Juizados Especiais. E, diga-se, um grave engano. Por que isso? A resposta é simples: o procedimento da Lei 9.099/95 abrange duas fases: pré-processual e processual. Na primeira, as partes são chamadas para conciliarem; na segunda, inicia-se o contraditório. Portanto, é óbvio que, não havendo o acordo, o interesse de agir emerge naturalmente para a fase seguinte, em que se deflagram a defesa e a produção de prova, concluída com a sentença. O entendimento do STJ, caso se consolide, não tem aplicação em Juizados Especiais, como ocorreu com o Enunciado 80 do FONAJE, que foi integralmente mantido.
De volta à conciliação. Ada Pellegrini Grinover, em Os Fundamentos da Justiça Conciliativa (In: Mediação e Gerenciamento do Processo - revolução na prestação jurisdicional, Ed. Atlas, p. 3) afirma que "a justiça conciliativa não atende apenas a reclamos de funcionalidade e eficiência do aparelho jurisdicional", ressalvando que "o fundamento social das vias conciliativas, consiste na sua função de pacificação social", quase sempre não alcançada pela sentença. Pura verdade. Os acordos trabalhados pelo conciliador e firmados pelas partes são cumpridos; as sentenças, nem sempre, porquanto precisam de um capítulo de regras impositivas para o seu cumprimento. E a sentença, em boa parte das vezes, desagrada duplamente, senão a todos. Portanto, conciliação é mais que necessária.

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