Aureliano Neto*

Decisão mais justa e equânime do art. 6.º da Lei n.º 9.099/95, referida no texto anterior, é a adotada pelo juiz ou juíza na solução de cada caso, com o escopo de atender aos fins sociais da lei e às exigências do bem comum. Entendo que essa norma contempla a justiça de equidade, diferentemente dos que pensam tratar-se de jurisdição de direito. Ao meu sentir, não é bem assim, porquanto não se trata de uma mera subsunção legal - correlação regra e fato controvertido. Mas, o que importa nesta análise, é que o art. 6.º não é apenas uma repetição desnecessária do art. 5.º da Lei de Introdução ao Código Civil ("Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.") A regra do art. 6.º impõe - e não recomenda - que seja adotada em cada caso a decisão que for reputada mais justa e equânime, não significando esta expressão o sentido estrito de moderação ou ponderação. O seu significado prático vai muito mais além do que está dicionarizado, já que com alcance semântico e jurídico bem reduzido. Em reflexão, recorro ao jovem jurista Felipe Borring Rocha (In: Juizados Especiais Cíveis, Lumen Juris, 2002, pp. 56-57): "A inovação em termos de hermenêutica jurídica reside no fato de que, nos Juizados Especiais, esta orientação representa uma regra a ser seguida, enquanto que, no juízo comum, traduz-se em exceção, a ser adotada somente nos casos de omissão, lacuna ou obscuridade da lei (art. 126 do CPC)." Por isso mesmo, é o art. 6.º regra de equidade. O que fez com que a Ministra Fátima Nancy, no XXVII FONAJE, realizado em Palmas, TO, afirmasse que "julgar com equidade (função típica dos Juizados) não comporta uniformização".
Bem perto do art. 6.º, há, com ele convivendo, como se fossem siameses, o art. 5.º, que concede ao juiz ou à juíza o poder dirigir o processo com liberdade para determinar as provas a serem produzidas, "para apreciá-las e para dar especial valor às regras da experiência". Esse preceito estabelece o compromisso do juiz ou juíza com a justiça dos julgamentos, não ficando restrito a esquemas preestabelecidos de ônus da prova. Como ressalta Demócrito Ramos Reinaldo Filho (In: Juizados Especiais Cíveis, Saraiva, 1999, p. 97), "a amplitude de poderes investigatórios e o informalismo na colheita dos elementos de prova constituem valiosos recursos que, sendo bem utilizados, devem levar o processo a um resultado final justo." Porém, tudo centrado na simplicidade e informalidade, para que o processo tenha um andamento célere e, como consequência, a prestação jurisdicional se concretize sem maiores entraves.
Trâmite sem formalismo, acentue-se sempre e com veemência. O pedido inicial, como diz o art. 14 da Lei 9.099/95 (e não petição inicial), deve ser simples e em linguagem acessível. Isso a enfatizar que citações desnecessárias e inúteis a nada levam. O que interessa ao juiz ou juíza são os fatos, objeto da demanda. Pedido inicial, que redunda em verdadeiro tratado de "direito", com inúteis citações, deveria ser não só evitado, mas terminantemente excluído dos Juizados. Esse entendimento serve para as defesas, ou quaisquer outras peças, como os recursos.
Deve ser lembrado que o Código de Processo Civil só é completivo à Lei 9.099/95, quando esta faz expressa menção. Não o fazendo, não há como se trazer o CPC para o interior da Lei dos Juizados Cíveis. Essa supletividade só ocorre por determinação expressa dos arts. 30, 52 e 53. O primeiro trata da defesa e exceções, e o segundo, da execução de sentença e de título extrajudicial. Isso é tão claro que, no procedimento do JEC, não há a figura da impugnação ao cumprimento de sentença, mas embargos à execução, cuja decisão de procedência ou improcedência cabe recurso para a Turma Recursal, recebido normalmente sem efeito suspensivo.
Todavia, algumas regras do CPC podem ser aplicadas no rito dos Juizados Especiais Cíveis, por não serem incompatíveis com o sistema. Cito como exemplo os arts. 273, 285-A, 461, 475-J etc. Assim, não sendo a norma incompatível com os princípios informativos dos Juizados, é possível a sua adequação, uma vez que não contraria a sua finalidade específica, estando de acordo com o sentido instrumental da 9.099/95. Um grave equívoco consiste na aplicação do art. 277 do CPC no rito da 9.099/95. Primeiramente, não há referência subsidiária na Lei do JEC, e, em segundo lugar, a citação com antecedência mínima de dez é do procedimento sumário e não do sumaríssimo, uma vez que no rito da 9.099/95 não há, de início, apresentação de defesa, por se ter um momento pré-processual, com a específica finalidade de conciliação, não tendo participação do magistrado(a). Só na instrução, é que se instaura o contraditório. Por esse falso entendimento, tem-se anulado, de forma equivocada, processos pela não aplicação do art. 277 do CPC. Ou seja: estão se misturando alhos com bugalhos. Do mesmo modo, não se aplica a regra do § 2.º do art. 511 do CPC, em caso de o valor do preparo do recurso ser insuficiente. Prevalece o entendimento do Enunciado 80 do FONAJE. O STJ, através da 2.ª Seção, felizmente já pacificou esse entendimento, ao negar aplicação subsidiária do § 2.º do art. 511 do CPC nos Juizados (AgRg na Rcf 4312/RJ). Assim, se o preparo estiver incompleto, não há intimação para supri-lo. O recurso, de imediato, será julgado deserto. Voltarei ao tema.
 

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