Em todos os campos de observação de todos aqueles que têm um compromisso ético, social e humanitário, já que é fundamental o dever e obrigação de pensar, pondo como centralidade o ser humano na essência da sua dignidade, como pessoa, como ser social, político (Aristóteles, no século V a/C já dizia) e moral, a conclusão irrefutável, porquanto evidente, é que, nos tempos atuais, a situação está mais para urubu do que para colibri, isso na tirada humorística do fenomenal Sérgio Porto, na voz do seu personagem Stanislaw Ponte e Preta.

Sou ardoroso fã do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, um pensador erudito e profícuo, com um poder de análise fulminante, tanto em relação aos seus livros como aos textos publicados no site 247, ou ainda nas páginas da Folha de São Paulo. Vale a pena - para aqueles que pensam e são avessos à cultura de esquina - conferir.

Abro o 247 e encontro um texto de Boaventura Santos: Uma saída para o Brasil. Como sempre faço, e não poderia ser de outra forma, li, pensando em nosso momento: desemprego, perda dos direitos dos trabalhadores, desmonte dos sindicatos, pandemia, com mais de cem mil mortes, algumas por absoluta desídia governamental, e mais de três milhões de infectados, tributação dos livros, que faz parte de um projeto de denominação, reformas e mais reformas, cujos efeitos catastróficos caem na cabeça dos mais fracos, que, limitando-se a comer, no dia a dia, o seu feijão com arroz, muitos e muitos se contentam com as migalhas (auxílio emergencial, concedida com relutância, sob a justificativa que o País quebrará, em que pesem as isenções fiscais dadas aos grandes grupos econômicos). Tudo isso e mais algumas coisas vieram ao meu pensamento na leitura desse texto de Boaventura Santos.

Mas o que diz o sociólogo português? Vejamos. Transcrevo alguns trechos contundentes, pois expressam a realidade que estamos a viver. Segue: “O Brasil está numa encruzilhada existencial de uma dimensão difícil de imaginar. É o país do mundo com um dos maiores desastres humanitários causados pela pandemia. O Brasil tem cerca de 2.8% da população mundial, mas tem 13,9% das mortes por COVID-19. É o país que viveu dois graves atentados à democracia e ao primado do direito num curto espaço de tempo: o golpe jurídico-político contra a presidente Dilma Rousseff, em 2016, e a grotesca manipulação judicial-política que levou à condenação sem provas do ex-presidente Lula da Silva, em 2018, até hoje o mais popular presidente da história do Brasil.” Deixando as questões ideológicas de lado, são fatos irrefutáveis, evidenciados neste primoroso texto de Boaventura Santos.

Mais: “É o país governado por um presidente, Jair Bolsonaro, que ganhou as eleições depois de o seu rival ter sido ilegalmente neutralizado e, mesmo assim, com a ajuda de uma avassaladora avalanche de notícias falsas. É o país governado por um presidente não só manifestamente incompetente para exercer o cargo, como também pró-fascista (defensor da ditadura militar, que governou o país entre 1964 e 1985, e da tortura de opositores democráticos, e que chega a pôr sob vigilância defensores dos direitos humanos, por alegadas atividades…antifascistas); é ainda cúmplice ativo do genocídio em curso no Brasil contra a população indígena e contra a população em geral.” O manifestamente incompetente e pró-fascista são fatos. Pergunta-se: qual é o projeto desse governo do capitão? A revista Piauí publicou, no número 167, uma reportagem, que, num Estado democrático, levaria a uma séria apuração com consequências gravíssimas. O que de fato ocorreu? Simples. O Ministro Celso de Mello, do STF, apenas consultara a PGR para saber se deveria ou não mandar apreender o celular do presidente e do seu filho Carlos. Trata-se de um fato natural, decorrente de uma investigação, como já ocorreu nos Estados Unidos, no famoso caso Watergate, que o presidente Nixon foi intimado pela Suprema Corte para entregar as fitas, que eram as provas do escândalo e que vieram a ocasionar a sua renúncia. Na nossa pátria amada, a resposta do presidente foi: - Vou intervir! Ou seja, mandar as tropas fechar o Supremo Tribunal Federal. Enfim, sob os aplausos de muitos, o golpe.

E, por último, faz o sociólogo referência à atuação dos nossos tribunais, que não podem se contaminar por esse vitus do autoritarismo, se quiserem sobreviver e não serem vítimas da ilegalidade. Ressalva: “Há indícios de que os tribunais superiores se deram conta de que o futuro da democracia depende em boa medida deles. Cometeram muitos erros no passado recente, foram lassos, se não mesmo cúmplices, ante flagrantes violações do garantismo processual que é a razão de ser do sistema judicial numa democracia. Mas há sinais de que serão a primeira instituição a acordar do pesadelo bolsonarista, e não há neste momento razões para duvidar de que estarão à altura do encargo histórico que lhes cabe. Certamente já se deram conta de que serão as próximas vítimas, se a ilegalidade continuar à solta e impune. Não devem deixar-se intimidar por grupelhos extremistas nem pelo gabinete do ódio.” Esta, como está a ocorrer, é a única salvação.

Membro da AML e AIL.