Estarrecido, com um misto de temor e de profunda apreensão, li essa frase em algum lugar. Não procurei saber quem a disse. Parece que todos sabem. Há um silêncio sepulcral. Sim, isso mesmo. Silêncio dos mortos. Silêncio do medo. Do medo de que o dia não seja mais dia. Que a noite desapareça, perdendo a sua beleza estelar, com a lua ensandecida vagando de um lado para o outro, como a louca do hospício, e apague-se, e que os poetas deixem de ser poetas, as flores murchem, os galhos de nossas belas árvores sequem, os rios desapareçam, o nosso mar nos mate com maremotos assassinos, os peixes, revoltados com tudo e todos, não queiram mais ser pescados. A fome de justiça nos enterre no pórtico de todos os fóruns de todas as cidades. A vida deixe de ser vida e passe a ser apenas o exílio dos nossos sonhos e a prisão de nossas utopias. Jesus, no estertor da cruz, clamou aos seus algozes: - Tenho sede. Deram-lhe vinagre. Pensou que o Pai o tivesse abandonado. Temos todos sede de justiça e medo de injustiça, e digo, sepultado pela dúvida, deste cantinho de página: aos meus queridos conhecidos que pensam de modo diferente: ou vão pra fora ou vão fazer turismo em Fernando de Noronha.

Afirmam ainda alguns muitos incrédulos que faxina vai ser grande. Ninguém se salva da voracidade do faxineiro. Entra nesse vendaval de banimento até, quem sabe, os nossos ministros, mas os da Eucaristia, caso esqueçam de dizer amém. Os demais estão livres dessa vigorosa faxina. Enfim, o verde e o azul são melhores do que o vermelho. Vermelho só na roleta do jogo de cassino. Que deve ser usado com muito cuidado. Por isso mesmo, quem cair da besteira de ouvir aquele célebre tango que fala em vermelho vinte e sete, entra nessa rigorosa faxina. As mulheres que gostam de um vermelhinho estão convidadas a pensar nessa fatídica indumentária. Nada de desfile de moda com essa insurreta cor. Pega mal. Dagora em diante, todos devem aderir ao roxo, amarelo, azul, verde e etc. De outro modo, a faxina come em cima desse delinquente que teima em desobedecer às regras dessa nova estética colorida.
Eu, para escapar dessa faxina ampla e irrestrita, já precavido, como sempre sou, estou mudando a cor das minhas botas. Daqui pra frente, não são mais marrons, uma cor metida a ser irmã do vermelho, portanto denunciadora, e passei a usá-las no tom café, que não é nem uma coisa nem outra. E assim, por não ter nada de besta, vou levando a vida e tentando me safar enquanto é possível. O dia de amanhã ninguém sabe o que vai acontecer. Como gostava de afirmar um antigo colunista social, que conviveu durante muito tempo com a turma da faxina de cima, o mar não está pra peixe. Como não sou pescador de ilusões, vou tomando os meus cuidados, e, se conselho fosse bom, aproveito para dizer-lhes: façam o mesmo. Vigiar e orar, como não há ouMas, ainda assim, há sonhadores que não tiveram um bom final. Lincoln, meu eterno guru, foi um deles. Na Guerra Civil dos Estados Unidos da América, resolveu homenagear os soldados que sucumbiram no campo de batalha em Gettysburg, num discurso pequeno, pronunciado em dois minutos, sem fazer alusão à faxina e à fatídica cor vermelha, disse: "Aqui declaramos solenemente que estes mortos não morreram em vão, que esta nação, sob a proteção de Deus, terá um renascimento da liberdade e que o governo do povo, pelo povo, para povo, não desaparecerá da Terra." Renascer pela liberdade é sentido do Estado de direito. Lincoln e Luther King Jr. acreditavam que a cidadania era construída nos ditames da liberdade e da igualdade. King tinha um sonho: que a liberdade ressoe e que todos os filhos de Deus, negros e brancos, judeus e gentios, protestantes e católicos se deem as mãos e cantem o canto da liberdade.
Esse sonho de King, com faxina ou sem faxina, com vermelho ou sem vermelho, um dia acontecerá. Lincoln e Luther foram brutalmente assassinados pelos faxineiros do passado, que continuam em plena e insana atividade nos dias de hoje, em que se louva o nome de/Deus em cada esquina. Outros, e muitos outros, com certeza, continuarão a ser vitimados pela insensatez desses faxineiros que insistem em dizer que minha vontade não minha vontade, que o meu sonho não é o meu sonho, que a minha utopia não é minha utopia. Até quando, Brutus!?

* Membro da AML e AIL.