Ainda bem que não estamos na era vitoriana, período da história inglesa, em que ocorreram grandes transformações sociais, econômicas e culturais, e no qual o romancista Robert Louis Stevenson situou toda a narrativa da sua consagrada obra O médico e o monstro, cujos personagens principais são o ilustre e aristocrático medico Dr. Henry Jekill e o seu alter ego, o Sr. Edward Hyde. O primeiro, uma exemplar figura da sociedade: doutor, filantropo e de conduta ilibada; o segundo, um delinqüente, hedonista, que comete vilanias e crueldades. Logo no início do romance, esse personagem, Sr. Hyde, aparece na penumbra de uma rua, tipicamente londrina, quando é flagrado na prática de um delito contra uma menina. Daí em diante, desenrola-se toda a história, muito bem elaborada pelo escritor Stevenson.
O enredo dessa excelente obra de Louis Stevenson enfoca a dupla personalidade do Dr. Jekill, um homem recatado, de finas maneiras, que desvenda e traz ao mundo a personalidade má que se encontra encarnada dentro de si mesmo: a faceta demoníaca de sua outra personalidade, que representa o estado sombrio da crueldade, amalgamando esse outro lado temido de sua pessoa no monstro Sr. Edward Hyde. Inobstante criá-lo, como a parte má de si mesmo, perdeu sobre esse anjo torto o controle, passando a conviver em si com duas pessoas antagônicas: a do bem e a do mal, com prevalência da personalidade criminosa.
Fecha-se, a partir de um mundo estético e o real, o circulo da ambigüidade nesse perverso e doentio centauro: o médico e o monstro.
No mundo real, a história da vida nos conta alguns fatos que se assemelham com essa duplicidade patológica, a fazer-nos ter encontro ou desencontro com essas pessoas que a denominamos de falsas, por exporem o seu lado Hyde. Nas relações sociais nesse mundo de Deus, em que o astucioso satã pede carona, é comum encontra-se uma dama ou um cavalheiro, com sorrisos acolhedores e excessos de cordialidade; e, no convívio íntimo, autoritários, intratáveis, mal-educados, violentos, rancorosos, sem qualquer gesto de humanismo. Em outro momento, é um defensor de todas as virtudes. Ultrapassou o umbral dessa falseta magnânima, transforma-se numa pessoa violenta, assassina, pragmática, calculista, desprezando aqueles que mais precisam de solidariedade. É a simbiose do encontro e desencontro de Jekill e Hyde.
Deixando essas elucubrações ficcionais, aportamos em nosso conturbado mundo da Covid-19. No plano da realidade, enquanto vidas estão sendo dizimadas, até agora sendo poupados só os ricos. Quero dizer: os ricos, ricos, milionários, ou mais que milionários. Do caos emergem as vozes de um Chernobyl viral, que expressam as maldades do Sr. Hyde - o monstro assassino. Essas mórbidas vozes propagam a insanidade da morte: - Não há vírus, coisa nenhuma. Isso tudo é conversa de esquerdopatas. Ou ainda, com a veemência dos carrascos da Idade das Trevas, com o obscurantismo de religiosidades sectárias e fundamentalismo econômico, afirmam: - Não há pandemia. Os leitos dos hospitais estão vazios. Tirem fotos. Denunciem esses esquerdistas. Os mais Sr. Hyde: - São poucas mortes. Precisa haver mais, muito mais .
Nesse clamor assassino, vêem-se os monstros, às vezes travestidos do Dr. Jekill, embora o sejam, a representarem a outra faceta negativa de sua personalidade: a natureza do próprio vírus.
Mas, como dissera o capitão, com a veemência da caserna, onde ele fora apelidado de Cavalão, ou outro designativo menos animalesco, é apenas uma gripezinha. Mero resfriado sem nenhuma significância, a ser combatido com o grande invento da medicina ultramoderna: a cloroquina, medicamento para malária. Mas... Ora, pois bem, chinês que não cai no conto do vigário e só faz negócio da China, vendendo pra quem tem dinheiro pra pagar, ainda não entrou nessa onda de importar esse tão milagroso remédio. 
No meio de toda essa turbulência do uso ou não do santo remédio, há aqueles que se filiam à fineza ética do Dr. Jekill, e outros que estão com o Sr. Hyde. O melhor: isole-se. Ou siga esta velha e surrada lição: todo cuidado é pouco. E mais: todo doido tem sua mania (dele). E nessa grave ambigüidade, capitaneada pelo capitão, tenho um amigo, desses de grande estima, sem a dupla personalidade, ainda bem, quem me diz:- Não tenho nada contra os chineses, mas tou no aguardo de eles começarem a fazer o negócio da China, adquirindo toneladas e toneladas dessa milagrosa cloroquina. Mas, quem sabe, né?, repete o amigo: - Chinês é chinês, antes mesma da Terra da Santa Cruz, lembra, eles já faziam negócio da China. É..., pode ser!

* Membro da AML e AIL.