Aureliano Neto*
Juro por todos os santos do mundo que não pretendia falar sobre juros. Ia contentar-me com as palavras, diga-se, esclarecedoras, da presidenta (em que pese a mídia insistir em chamá-la equivocadamente de "presidente") Dilma Rousseff, que, num arroubo da sua ira contra a agiotagem bancária, fez essa veemente afirmação, nunca antes dita: "É um roubo o que esses bancos cobram para administrar os fundos de rendimento." No meio de todo essa veemência verbal, Míriam Leitão, a eterna descontente com tudo que é proposto ou feito pelo governo, ficou num silêncio ensurdecedor. Falou de outro tema referindo-se ao grande desafio do novo presidente francês, François Hollande, que, segundo afirma, terá que conciliar crescimento (da França evidentemente), controle da dívida e déficit. Passou longe das nossos fronteiras e preocupações. O governo para forçar a queda dos juros bancários, cobrados escorchantemente pelas instituições financeiras, fez do 1° de maio uma data histórica de luta contra o enriquecimento excessivo dos banqueiros, a custas do spread (=diferença entre taxa de captação e juros cobrados do consumidor), que alcança lucro de 35%, sendo que - apenas como exemplo desse abuso contra a cidadania - é de 185% a taxa de juros ao ano do cheque especial. Já o cartão de crédito chega à exorbitância de 238%. Assim, a banca da agiotagem está feliz, assim como todos aqueles que vivem (e muito bem) da sua paga, como ocorre com alguns formadores de opinião, que combateram a fala da presidenta, defendendo os interesses econômicos dos bancos. No sistema capitalista cruel em que vivemos, não se poderia esperar outra postura da nossa grande imprensa.
Na essência, conforme o noticiário, disse a presidenta Dilma Rousseff, sem qualquer subterfúgio: "Os bancos não podem continuar cobrando os mesmos juros para empresa e para o consumidor, enquanto a taxa básica Selic cai, a economia se mantém estável e a maioria esmagadora dos brasileiros honra, com presteza e honestidade, os seus compromissos. O setor financeiro, portanto, não tem como explicar essa lógica perversa aos brasileiros." Dito isso, como num concerto sinfônico, a presidenta Dilma acionou o Banco do Brasil e a Caixa Econômica Federal para reduzirem os juros e as taxas de serviço, a fim de tornar menos onerosas para o consumidor as operações financeiras. Utiliza a presidenta os bancos (graças a Deus não privatizados) para fazer política púbica e, com isso, tentar alavancar o crescimento da economia brasileira.
Os formadores de opinião da grande imprensa e os economistas que vivem a soldo dos banqueiros não ficaram quietos. Aliás, deve ser enfatizado, nem se poderia esperar que ficassem em silêncio, ou que defendessem a iniciativa da presidenta. Isso seria uma heresia contra as suas crenças , que apenas justificam a "lógica perversa" das instituições financeiras na cobrança exorbitante de taxas extorsivas de juros e da remuneração dos serviços.
Cito alguns deles, para que saibamos a quantas andamos no tocante a esses farsantes que ocupam as colunas dos grandes jornais e da mídia em geral. Fernando Rodrigues, da Folha de São Paulo, no dia 02/05/2012, p. A2, diz, sem maior cerimônia, que Dilma Rousseff "elevou a um patamar de beligerância inaudita a disputa entre o Planalto e o setor financeiro. Uma coisa era defender os juros. Outra, bem diferente, é dizer em rede nacional de rádio e TV que os bancos seguem uma 'lógica perversa'." E acrescenta, como se tivesse a fazer humor negro na defesa do setor financeiro: "Em suma, na hora da novela." Na concepção desse colunista, a presidenta não pode fazer cobranças públicas; há que se conformar à "lógica perversa" do idolatrado sistema financeiro. Já Celso Ming, que escreve para o jornal O Estado de São Paulo, também em 02/05/2012, embora admita que os juros praticados pelas operadoras dos cartões de crédito sejam escorchantes, sustenta que "a presidente (sic) Dilma começou uma queda de braço, mas isso é pouco". Em seguida, acentua, quase a desdizer o que dissera: "Não é apenas com retórica que se chega lá." Evidente que não é apenas com retórica que se extirpa essa prática capitalista cruel, tanto que as regras sobre a poupança sofreu, mediante edição de medida provisória, alteração, que beneficia o poupador e o mercado de consumo de crédito como um todo.
Merval Pereira, do Globo, em matéria longa e cansativa, de 02/05/2012, p. 4, como sempre se manifestando depreciativamente contra o governo, afirma que a posição da presidenta Dilma "sinaliza uma perigosa tendência de seu governo de se apoiar nas altas taxas de popularidade para pressionar setores da economia (ele quer dizer do sistema financeiro) que não se enquadrem nas suas orientações". Merval, de forma perniciosa, não vê nenhum mérito nas orientações econômicas e de políticas públicas (de governo). Justifica a sua opinião apenas pelo que denomina de viés populista. Ou seja: Dilma, na luta para baixar os juros, que são extremamente excessivos, está em busca de popularidade. Assim, se essa postura é boa para o governo, ótimo. Se vier dar certo ou não, pouco interessa. O importante é alavancar a popularidade. Acreditar nesse argumento é colocar na testa o rótulo de imbecil. Os formadores de opinião pensam que todos nós somos imbecis. Felizmente, há os não pensam assim. Vladimir Safatle, que escreve na Folha de São Paulo e na CartaCapital, manifesta a sua posição em artigo publicado na Folha (8/5/2012), onde reverbera o seu apoio à iniciativa de Dilma, sintetizada neste parágrafo: "Há algo de cômico em ver adeptos do livre mercado e da concorrência procurando argumentos para defender uma banca de oligopólio especializada em espoliar os brasileiros com 'spreads' capazes de deixar qualquer banco mundial corado de vergonha." Talvez Safatle não esteja a dizer verdade absoluta. Mas, como diz Machado de Assis, "a verdade é essa, sem ser bem essa". Quem sabe, indo além da concepção do Bruxo, a verdade é mais cruel que essa verdade. O lucro bimestral dos bancos desafia o ganho de qualquer indústria, a qual tem a força de empregar milhares de brasileiros. Os bancos nem para isso se prestam.
aureliano_neto@zipmail.com.br
Comentários