Aureliano Neto*

A lembrança é a forma carinhosa que se tem para buscar no passado os amigos. Muitos são os amigos. As amizades feitas em Imperatriz, desde 1975, continuam a cativar as minhas agradáveis reminiscências. Não se trata de abrir um velho álbum de retratos, já com as fotos amarelecidas pelo tempo. Ainda que fosse assim, rever as imagens antigas, guardadas nas gavetas saturadas pelas recordações, possibilita pensar o passado como se estivesse presente. Machado de Assis, citado com frequência neste espaço dominical, disse uma verdade, que pode até ser contestada, porém não perde o seu valor axiomático, quando o Bruxo do Cosme Velho afirma que o passado é a melhor parte do presente. Embora o seja, há uma outra verdade: - infelizmente não se pode transportar o passado para o presente, mas, ressalte-se, como impossibilidade real, em que pese se poder sonhar absurdamente com essa perspectiva.
Já disse e redigo: cheguei a Imperatriz no início de 1975, precisamente no comecinho do mês de fevereiro. Era carnaval. Fiquei hospedado num hotelzinho nas proximidades da antiga rodoviária. De lá, numa manhã de segunda-feira, o Dr. Vicente Costa, brilhante advogado criminalista, que me conhecia de criança, ao encontrar-me, levou-me com no seu Volks, de cor vermelha, para sede do INCRA, onde funcionava o Projeto Fundiário Imperatriz, que tinha como função tratar das questões referentes à regularização das terras rurais, localizadas à margem da BR-010, que, por força de decreto-lei, passou a integrar o patrimônio da União. Aqui aportei para a difícil missão de ser advogado do INCRA, vinculado ao Projeto Fundiário. O executor do Projeto era o Dr. João Dias, que, além de ser amigo, era dotado de grande competência administrativa. Trabalhei ao lado da Dra. Cláutenes Lopes, uma advogada experiente e conhecedora de todo o processamento administrativo de regularização de terras, fazendo esse trabalho ao lado do seu marido, o agrônomo Dr. José Carlos Lopes. Quando cheguei, já encontrei o Dr. Frederico Almeida Rocha, chefe o grupamento fundiário, sempre com o brilhantismo que o caracterizaria nas sucessivas funções que exerceu nesta cidade, ora como advogado, ora como professor, ou ainda como vereador. Pouco depois, chegou ao INCRA o Dr. Adalpe Pedro Silva, com o qual mantive, até o seu prematuro e chorado falecimento, estreita amizade. Adalpe foi meu cúmplice quando comecei a namorar com Jacirema. Teve o topete de subtrair da exposição de um dos foto da cidade (não sei qual) uma fotografia de Jacirema para fazer-me doação, ainda quando o namoro não tinha sequer começado. Iniciado, motivado ou não pela foto, terminou em casamento e na formação da família mantida até a presente data, donde se originaram três filhos: Aurelliano, atualmente juiz de direito, Bernadete, médica, e Thiago, engenheiro civil. Mas a lembrança insiste em dizer-me que, no dia do casamento, realizado na Igreja Santa Teresa, saí da casa de Adalpe, tendo sido preparado por Teresa Neuma, sua dedicada companheira de longos anos, que, com carinho, o chama sempre de "meu amor". Foram bons tempos. Lembrados, são melhores ainda do que vividos, pois nos convida a fazer um retorno àqueles dias alegres e felizes. Imperatriz vivia o ápice da formação de uma cultura voltada para a titulação e exploração das terras rurais.
Mas antes disso, nesse passado que insiste em se fazer presente, solteiro, vivia às voltas com um grupo de amigos. Companheiros fiéis e de convívio extremamente agradável. Alguns deles vêm à mente, como se estivesse a ver um documentário de registro de fatos históricos. Pois bem. Findo o expediente, a sexta era o momento do encontro. Lá, em torno da mesa de um bar, repleta de algumas cervejas bem geladas, estavam Nilo, Moézio, Éden, Djalma Guedes, Elizeu, Emanuel, Elaílon, Fabinho da Ribema, João Dias e, antes da chegada de Teresa, Adalpe, momentaneamente "solteiro". Posteriormente, chegou ao Projeto Dr. Álvaro, que passou a integrar a troupe. Uma das nossas bases era o bar do Amadeu, bem ao lado da Escola Técnica, onde éramos recebidos como se fôssemos reis sauditas ou de qualquer país produtor de petróleo. E o outro ponto, que nos recebia nos sábados ou domingos, era a barca flutuante do Ataíde, ancorada às margens do Tocantins, num permanente convite para as saborosas peixadas. Os dias desses encontros não tinham começo nem fim. O fundamental era apenas começar. O resto era o amor fraterno da convivência.
Lembrar desses amigos é o modo de expressar o carinho que devoto a todos eles, mesmo aqueles que não foram citados, ainda que transitem pelas minhas recordações quase que diariamente.
Mas, o que tem tudo isso a ver com a benzedeiras? Nada. As benzedeiras são lembranças de um momento que está retornando. Atual, porquanto hoje admitidas nos programas de saúde da família. Outrora, quem, na minha infância, padecia de arca aberta ou mau olhado, antes do médico, ia-se às benzedeiras. Elas, com a fé de uma espiritualidade profunda, rezavam e o mal, como que por encanto, desaparecia. A criança passava a dar gargalhadas, como se tivesse a ver a sua frente o mais histriônico dos palhaços de circo.
Assim, os amigos e as benzedeiras são apenas lembranças de um passado que não deixa de ser a melhor parte do presente.

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