Recebo a visita de um amigo e de uma velha conhecida. Queriam conversar. Tanto que queriam conversar que vieram desprovidos dos celulares. Disseram-me, com a ênfase, que merecia tal fato, isso para os dias de hoje, que haviam deixado propositalmente os aparelhinhos em casa. Que bom, suspirei levemente. Encontraram-me na porta. Fato incomum, estava olhando o tempo e perscrutando o céu. Já era inicio da noite. Nesses momentos, não costumo ter a companhia do moderno e incômodo interlocutor. Gosto de ver o tempo. Que passa, roçando-nos como a brisa que vem do mar. E tenho essa mania besta de olhar pro céu, pra ver se ainda brilham as estrelas. Parece algum sentimento vulgar de romantismo ultrapassado, mas não é, ou até pode ser. É só mania de bisbilhotar o infinito. Acomodaram-se o amigo e a velha conhecida. Troca os cumprimentos formais e informais. Como vai? Vimos te ver. Tudo bem? Como tu estás?Vou indo. Arraiais pra todo lado, não é?. Muita festa, dizia a velha conhecida. E tu já foste ver os festejos? Queriam saber o que eu achara. Não, não fui, ainda não encontrei disposição. Tou aqui inspirando-me, olhando pro céu, como a música do Gonzaga. Ainda não vi nenhum balão multicor. Nem fogos. Nem fogueiras de São João. Ouço uns batuques pro rumo dali. Parece que pra lá a fogueira tá queimando. Os visitantes, incrédulos: - Não, não tem fogueiras. É só música e dança. Mas com forró, e a intromissão indevida de uns sertanejos. E as fogueiras, quis saber. Nada, garantiram-me. Tou aqui emperrado, com vontade de ver umas fogueiras e ver o povo tocar fogos, uns chuveiros, busca-pé, ou mesmo umas estrelinhas e o zoar de umas bombinhas. Ah!,que história é essa, amigo, falaram em coro. Isso é passado. São João do Carneirinho. Plantar milho todo no dia de São José. Isso é apenas baião. Gonzaga gostava dessas coisas líricas. Lindas, não?! É, tem razão, lindas. Por isso, olho pro céu, pensando nos amores que foram ficando no caminhar de todos esses caminhos. Caminhos do Lira, amplificadora do Vadico, do Codosinho de Cima, da Belira, da Vila Macaúba. Caminhos de todas as fogueiras, armadas no cair da tarde e acesas no comecinho da noite. Um fogaréu, de porta em porta. Os arraiais nas portas. Os fogos queimando. As crianças repetindo as toadas de Luís Costa e Danavó. O boizinho de cofo. O maracá chocalhado com as pedras nas latas velhas retorcidas. A toada cantada e repetida. Era noite de São João.

Olho pro céu. A fogueira precisa queimar, antes do xote começar. Todos dançando. Luiz com Yaiá. Ivo do seu Zé com Ivana da Sinhá. Claudete com Ivonete. José de Eurico com Maria de Dadá. A fogueira vai passando, e todo mundo passando a fogueira. É o compadre com a comadre. É o primo com a prima. É compadre com o compadre. É o namorado com a namorada. É o noivo com a noiva. A fogueira acende o pavio dessas amizades, que se estendem no infinito do tempo de amar. O fogo não se apaga. É o ardor da fogueira de São João. Olho pro céu. A lua passa bem devagar. Ora quieta, ora segue, sem pressa. As estrelas piscam sem cessar, e nos convidam pra dançar, bem juntinho, com a mão no coração. O fino e o improvisado pedaço de madeira por cima das labaredas, e a voz suplicante aos céus: São Pedro, São Paulo, São Felipe, São Tiago, quero que Sinhá seja minha comadre. Passa uma, passam duas, passam três vezes. De lá pra cá, daqui pra lá. Pronto, comadre. Pronto, compadre. O aperto de mão firma o compromisso de uma amizade que nem a morte consegue matar.

Olho pro céu. E caminho pelas ruas. As fogueiras queimando. As crianças brincado. O chocalho rústico da lata velha marcando o ritmo da toada dos cantadores repetida até a fogueira embrasar. O menino fantasiado de boi, de cofo, com rasgo na frente, para que ele não tropece nas pernas na dança em volta da crepitante fogueira. Olho pro céu. E contemplo todas essas noites de São João, emperrado na porta, a trocar conversa com as visitas, que se despedem. Vão cumprir o ritual dos arraiais, instituição do mercado que quebrou o rito da solidariedade junina das portas. Fico, olhando pro céu, e vejo que ele está lindo, como se cada estrela fosse uma fogueira de São João, num pisca-pisca ofuscante. Saio do marasmo do passado, e, tresloucado, olho pro céu, meu amor, e vejo que ele está lindo. Danço baião, danço forró, danço o xaxado, danço todas as canções de Gonzaga, Zé Dantas e Humberto Teixeira, e danço todos os cantos de todos os Sãos Joões, que me viram correr, subir e descer a rua do meu tempo, para ver o boi de matraca e me deleitar de felicidade com aquele caboclo rústico sacudindo o maracá e recitar, num repente, o poema da toada, ao ritmo da dança dos caboclos de pena. Olho pro céu. E, na poesia desse canto, danço com Yaiá e danço com Sinhá, e ainda danço com Raqué. São noites de São João. Por isso, olho pro céu, meu amor.

  • Membro da AML e AIL