Dois personagens de um romance dialogam. – O que quer da vida, meu jovem? – Nada, ele respondeu. – Ora, ora, o senhor quer que eu acredite nisso? – Sim, a senhora pode acreditar. Eu não sou ambicioso. Por acaso, eu pareço ambicioso? – Não, admito que não, redarguiu a curiosa interlocutora.

E a conversa entre esses dois personagens ia assim, com perguntas e respostas triviais. Mas a personagem mulher, uma velha senhora, se inclinou para frente, e descreve em detalhes o romancista que seus olhos arregalaram e fecharam três ou quatro vezes. Fez então uma indagação mais incisiva, com um tom de voz diferente, porém contido, a frase saindo quase assobiando: – O senhor consegue odiar? E insistiu: – O senhor é capaz de odiar? A resposta foi dada de supetão, sem grandes reflexões: – Odiar é uma perda de tempo.
Cristo pregou o amor. Amar a Deus acima de todas as coisas, e ao próximo como a si mesmo. Eis os dois principais mandamentais, que congregam o princípio e o fim de tudo. Lembro que a igreja católica, num determinado momento de sua história, a partir de Puebla (Vaticano II), tentou erigir a civilização do amor. Missão árdua, que tem encontrado imensas dificuldades na construção dessa utopia cristã. Há resistência, pois, na pós-modernidade, vive-se o pragmatismo da “civilização do capital e riqueza”, na feliz expressão de Jon Sobrino, na sua obra Fora dos pobres não há salvação – pequenos ensaios utópicos-proféticos (Paulinas, 2008). Assim é que o desafio que nos é posto é bem outro: a “civilização da pobreza”. E, em que pese o discurso do ódio da classe mais abastado, o pobre é que precisa ser libertado, reclamando a efetividade de programas sociais de inclusão. O rico já tem a sua riqueza e caminha com suas próprias pernas, sem necessitar da muleta do Estado. É o que mais usa e reclama.
Pois bem. O tema da nossa breve conversa não é bem esse. É o discurso do ódio. Hitler o utilizou com maestria, tendo como seu arauto maior Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda do Reich na Alemanha Nazista, aquele que transformava, pela exaustiva repetição, mentiras em verdades. O discurso antissemita do ódio gerou a crueldade do holocausto. Crime praticado contra os judeus, que atingiu toda a humanidade, marcando-a indelevelmente. O ódio não é e nunca foi um bom companheiro. Como disse o personagem acima citado, odiar é uma perda de tempo. Mas, é muito mais que isso. Odiar é um processo desumano de suicidar-se em vida. Parece paradoxal essa afirmação. Talvez não seja bem assim, uma vez que o suicídio leva fatalmente à morte. O que quero dizer é que ódio é um doentio processo de suicídio prolongado.
Estamos em pleno momento politico. Como não vivemos a democracia ateniense da ágora, local onde os gregos de Atenas exerciam a sua liberdade, discutindo e encontrando soluções sobre as questões que envolviam a polis, temos, em decorrência, que eleger quem decidirá por nós. Assim delegamos, pelo voto, poderes para quem nos irá representar, ora na função executiva, ora como legisladores. O sistema, pois, é de representação. A escolha é feita por eleição. E elegemos aquele que irá exercer mandato temporário. Mas o discurso do ódio, em que pese seguir-se todo um ritual, previsto em leis e na Constituição Federal, é no sentido de que o politico não representa o eleitor, ou o suposto eleitor, que não votou nele. Na democracia, o mandato não se constitui em mera procuração por meio da qual o votante outorga poderes ao mandatário para praticar alguns atos em seu nome. O voto que concede poderes a quem representa o eleitor é a expressão política da igualdade e da liberdade. Por isso é que o eleito, embora proporcionalmente, representa o todo, mesmo aquele não lhe deu o voto. O sufrágio é universal. O voto do pobre é tão voto quanto o rico. Aliás, deve ser dito: em período eleitoral, o pobre, por ser maioria, e como o voto tem o mesmo valor, é tão paparicado quanto o rico. Este tem o seu peso reconhecido no financiamento eleitoral e, como consequência, na manipulação dos mandatos. Cobra dos eleitos os gastos milionários na campanha que os sufragaram nas urnas.
É o discurso do ódio cego. Em período eleitoral, é a arma do inconformismo. O ódio acusa sem saber. O ódio julga sem ouvir. O ódio trai. O ódio desumaniza, pois, insuflado pela paixão doentia, deseja ardentemente o sofrimento do adversário. O ódio julga e condena sem provas, ao seu bel-prazer. O ódio faz com que quem odeia não veja a sua própria hediondez. O ódio é a patologia da ausência da razão. Quem odeia, mata, ou deseja a morte do seu adversário. Foi o que presenciei num salão de barbearia desta nossa cidade. Um cliente daqueles antitudo, e até anti-elemesmo, falava de dois personagens de nossa política, infelizmente acometidos, num momento grave de suas vidas, de câncer. O ódio desse personagem era tanto, que lamentou não ter os dois políticos morrido. Tem-se aí o tipo do doente mental, que dorme e acorda ruminando a sua execrável patologia e, ao menor sinal de perda, é capaz de matar ou matar-se. Mas o pior: bem cedo, levanta, olha-se no espelho, embaçado pela sua hediondez e diz para si mesmo: – Odeio, logo existo.