Antonio Prata escreveu uma excelente crônica na Folha de São Paulo, publicada na dia 16 deste mês, no caderno Cotidiano, p. B8. Um texto provocativo, inteligente, irônico e que nos desafia a pensar o Brasil. Título: Por quem as panelas batem. Inicia assim: “Temos toda razão de bater panelas quando a presidente aparece na TV dizendo que a culpa por nossa pindaíba é da crise internacional. Mas por que não batemos panelas quando Eduardo Cunha, o líder dos ‘black blocs’ brasileiros, vândalo que faz política com pedras, bombas e coquetéis molotov, vai em rede nacional dizer que trabalha ‘para o povo’, ‘sempre atento à governabilidade’?” E segue: “Temos toda razão de bater panelas contra a corrupção da Petrobras. Mas por que não batemos panelas contra o mensalão mineiro ou o cartel do metrô paulistão? Por que não batemos panelas contra a compra de votos para a reeleição de FHC? Por acaso pagar apoio na Câmara é mais grave do que pagar emenda na Constituição?”
E prossegue Prata: “Temos toda razão de bater panelas quando o governo se cala diante dos descalabros venezuelanos e da ditadura cubana. Mas por que não batemos panelas diante do fato de nosso principal parceiro comercial ser a China, maior ditadura do planeta? O tofu que alimenta aquela tirania é feito com a nossa soja e os fazendeiros, ruralistas e empresários que acusam a ‘venezualização’ do Brasil são os mesmos que lucram com o dinheiro comunista. Ninguém bate woks por causa disso?” Insiste o cronista em dar razão aos protestos, o que é natural num regime democrático, mas muito seletivo na sua dimensão política, ressaltando que “temos toda a razão de bater panelas contra o estelionato eleitoral do PT. Mas por que não batemos panelas contra o estelionato eleitoral do PSDB, que elege repetidamente um governador tipo ‘gerente’, prometendo ‘eficiência’ em cada sílaba, mas coloca São Paulo à beira do ‘co-la-pso-hí-dri-co’? Um cristão, cuja polícia, não raro, participa de grupo de extermínio na periferia. Essa semana, foram 18 chacinas em Osasco e Barueri. Imagina se fosse em Iguatemi?”
O cronista, atento aos fatos, está certo. Foram 18 assassinatos, com gravíssimas suspeitas de participação de policiais. A notícia dos jornais, pouco divulgada, porque se trata de um governo do PSDB, diz que “os crimes ocorreram em um intervalo de duas horas e meia, num raio de 10km, em nove pontos diferentes. Só seis mortos tinham alguma passagem pela polícia”. Um dos peritos da Polícia Civil, perplexo com a monstruosidade, chegou a afirmar: “Nunca vi uma noite com tantos mortos.” Essa deveria ser a manchete da nossa mídia impressa e televisiva. Mas qual nada. Daqui a pouco o esquecimento. As panelas estão em silêncio. O silêncio seletivo, suspeito, de que uns podem mais que outros. E esse silêncio cruel, somado ao silêncio dos protestos, se entende à mãe de uma das vítimas, Zilda Maria de Paula, cujo filho, o pintor Fernando Luiz de Paula, de 34 anos de idade, que bebia com uns amigos num bar, foi alvo de atiradores encapuzados. Ela lamenta no seu silêncio: “Só sei que meu filho morreu. Não vou usar camiseta com a foto dele, não vou pedir justiça. Vou continuar (...) porque ninguém vai me ajudar.” Se a mãe da vítima fosse uma novelista ou atriz de TV, o mundo se acabaria a partir desse exato momento. Os culpados seriam punidos. Mas, infelizmente, é uma favelada. E, ainda mais, o governo da polícia investigada é do PSDB.
E o silêncio das panelas continua ensurdecedor, quando página inteira de jornais dá a informação, não desmentida, de que o deputado Eduardo Cunha, inimigo visceral do governo, golpista de primeira linha, agora denunciado por corrupção, se reúne com ministro do Supremo Tribunal Federal para discutir o impeachment da presidenta Dilma, sem haver qualquer processo instaurado. Qual o ministro do STF que se prestou a participar dessa conspiração? A resposta óbvia: o tucano Gilmar Mendes. A notícia publicada na Folha de São Paulo, no dia 14 de julho de 2015, p. A4, traz esta informação: “O presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), reuniu-se com o ministro do STF (Supremo Tribunal Federal) Gilmar Mendes e com o deputado pelego Paulino da Força (SD-SP), dirigente da segunda maior central sindical do país, para avaliar, entre outros temas, cenários da atual política, incluindo um processo de impeachment da presidente Dilma Rousseff.” Ressalta a matéria do jornal: “O encontro, um café da manhã na residência oficial da Presidência da Câmara, se deu na última quinta-feira (9).” O que falou o ministro: “O que tenho dito é que é preciso ter provas quanto ao abuso de poder econômico e político. Havendo provas, muito provavelmente se chega a uma votação de expressão.” Digo eu, traduzindo “uma votação de expressão”: à cassação do mandato da presidenta. Um mês depois desse fraterno encontro do ministro com os seus correligionários, ele votou pela cassação no TSE, dando a seguinte declaração política, embora não seja deputado nem senador, mas juiz da mais alta Corte de justiça do país: “É grande a responsabilidade desse tribunal. Ele não pode permitir que o país se transforme num sindicato de ladrões.” As panelas devem ter ressoado das cozinhas de nossas chiques madamas, que devem estar com as munhecas doloridas de tanto protestar. Salve Gilmar, o nosso Robespierre virtuoso! De quebra, salve o silêncio “respeitoso” de nossas elites e instituições, como ABI, OAB e AMB.
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