O nosso mestre Jesus Cristo tinha uma certa implicância com o rico, embora não o condenasse. Mas, pelas várias passagens dos seus ensinamentos, considerava bem difícil o desapego aos bens materiais, ao afirmar que é mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha que um rico entrar no Reino dos céus. A “agulha”, a que se refere Cristo, era uma porta estreita, no muro que cercava as cidades daqeles tempos, a qual era difícil dar passagens aos camelos que chegavaram carregados de mercadorias dos comerciantes que vinham realizar seus negócios. Razão pela qual essa imagem foi utlizada por Jesus, como uma metáfora, no sentido de alertar o rico, rico, empedernido, que vive apenas para amealhar bens materiais, que ele terá alguma dificuldade de entrar pela porta estreita no Reino de Deus. Por isso, meu caro rico, muito cuidado! Seja ao menos um pouquinho bom samaritano, partilhando o excesso. Sei que é uma tomada de decisão difícil, mas atualmente as leis trabalhistas estão mais amenas, e os contratos laborais menos exigentes. Os lucros aumentaram, e as bolsas de valores estão sempre em alta. É bom fazer as pazes com o nosso Senhor lá de cima.
Mas, um outro mestre terreno, que fez milagres com a arte de escrever, tendo uma vida sem grandes arroubos pecuniários, retrato no conto Anedota pecuniária essa espécie de personagem devotado, de corpo e alma, ao dinheiro, chegando a fazer referência a uma expressão que demonstra a sua obsessão pela riqueza: “erotismo pecuniário”. Esse conto do Bruxo do Cosme Velho deve ser lido para que se tenha uma ideia até onde chega essa patologia pela acumulação de moedas. Numa passagem da narrativa, Machado de Assis cita uma frase do seu personagem numa demonstração do seu inconformismo com o vasto patrimônio que compunha a sua riqueza: - O melhor bem é o que não se possui.
O que é o rico e o que é riqueza? Depende do que se quer tratar. Há o rico de amor, de solidariedade. Também há o rico de soberba. Há, do mesmo modo, o rico de bens materiais, e aquele detém um vasto patrimônio de bens espirituais. No rol destes últimos, não tenho dificuldade de incluir Madre Teresa de Calcutá, nem a Santa Irmã Dulce, mulheres que dedicaram a sua vida a servir. Apenas servir. Já a riqueza se constitui em ato de acumular bens – materiais ou espirituais. O rico é aquele que coloca esses bens acima de todas as coisas. A sua vida gira em torno de acumular cada vez mais. O rico de bens materiais morre e deixa uma grande confusão entre os herdeiros para partilhar esse patrimônio que foi acumulado obsessivamente durante toda uma vida. Esse rico é tão dedicado a sua missão terrena de amealhar riqueza que não tem tempo de viver. E muito menos de conviver. A esse rico só interessa o preço e o lucro. Além do mais, o mundo ama os ricos, porque riqueza, além do conforto material, é poder.
Em nossa pátria amanda, os pobres estão deixando de ter privilégios. Até mesmo, pasmem!, o privilégio de serem pobres. É algo contraditório, mas é fato. As reformas que estão sendo feitas pelo governo do capitão retiram os privilégios da pobreza: de ter uma aposentadoria digna e garantias legais do exercício protetivo das suas atividades laborais. A informalidade passou a ser a relação trabalhista dominante. As estatísticas é que dizem isso. O quadro é desalentador.
Ainda em nossa pátria, o rico está rindo à toa. Primeiro: rico não precisa de aposentadoria. A sua aposentadoria está na sua riqueza. Reforma de previdência não o alcança. Ele tem a sua própria previdência, originária das suas aplicações financeiras. Não me refiro aqui ao capitão, que é um homem bem de vida. Falo do Sr. Guedes. O Sr. Guedes é um homem de mercado. Trabalha incessantemente para proteger esse sacrossanto mercado. Trata-se de um homem público, com obrigações e compromissos privados. Rico, riquíssimo.
Um rápido aviso aos desinformados: não sou contra a riqueza do rico ou do Sr. Guedes. A minha preocupação se vincula especificamente com aqueles que vivem à margem do mercado, entidade cheia de mistérios e de imensos poderes, que recebem a proteção dos nossos homens públicos. Como lenitivo, prefiro Torquato Neto: eu sou quem eu sou/pronome/pessoal intransferível/ do homem que iniciei/na medida do possível (...) eu sou quem eu sou/vidente/e vivo tranquilamente/todas as horas do fim. Pronto. Só isso, para suportar o incremento das desigualdades dessa nossa tão sofrida pátria amada.
* Membro da AML e AIL.
Comentários