Aureliano Neto*
Os crimes se repetes, como se fossem o refrão de uma dessas musiquinhas sensacionalistas, que fazem sucesso efêmero, do dia para noite, sem qualquer explicação plausível, a não ser a insana e perturbadora repetição. Assim é o crime. Os noticiosos das televisões que tratam desse assunto macabro são os que têm mais audiência, e os apresentadores são verdadeiros gladiadores da justiça. - Oh, gente, vocifera o indignado combatente das infrações penais, a justiça é cega. Como é que este cara matou e continua solto, respondendo ao processo em liberdade. Isso é um absurdo. Cadeia nele. Só mesmo no Brasil. E, nessa enfadonha retórica agressiva, o sensacionalismo é a marca que caracteriza o estilo dos que fazem essa espécie de programa macabro, do agrado de uma imensa massa de telespectadores. Há, bem verdade, uma técnica que tem a finalidade de mexer no emocional daqueles a quem é dirigida a mensagem, recheada de expressões agressivas, onde a contundência da palavra bandido é de uso corriqueiro e do agrado do ouvinte, que expressa seu sentimento de comoção ante os fatos que lhe são cruamente apresentados.
Faço, de passagem, ligeira referência aos juristas e pesquisadores Luiz Flávio Gomes e Débora de Souza de Almeida (In: Populismo Penal Midiático, p. 119), que, ao tratarem dessa espécie de jornalismo por eles denominada de "jornalismo justiceiro", enfatizam que "todo jornalismo justiceiro (engajado com a causa do rigorismo penal) é subjetivamente comprometido, visto que ele existe para (em regra) mexer com as emoções (sensações) dos destinatários (da opinião pública). (...) A exacerbação da emotividade, a gesticulação (não existe notícia sem gestos), a espetacularização e a dramatização é que conduzem ao sensacionalismo, cuja preocupação precípua é oferecer, no conteúdo e na forma, aquilo que o povo (opinião pública) pretende comprar". E concluem: "É preciso carregar a realidade de um plus de dramaticidade para torná-la apresentável, palatável, admirável." Enfim, transformam-se fatos (práticas delitivas rotineiras), mas que são exceções, como regra, isto é, como realidade cotidianizada, a afetarem a vida de todos nós, assim criando uma situação de terror, como se o ir a um simples, irrelevante e corriqueiro boteco da esquina, consistisse na travessia de um campo de batalho sangrento. Disso tudo decorre uma indagação necessária: como alguém (o autor do delito) pode ser julgado de forma justa, se já foi condenado pelo sensacionalismo midiático? E como ficam a vítima e os seus familiares, que também participam desse drama diário?
Mas o crime se repete, a todo instante. São tantos corpos estendidos em cada esquina. De bermuda, pés descalços. Os miolos espalhados pelo asfalto, ou no chão de terra batida. Populares, sequiosos em torno da vítima trucidada, braços cruzados, ora trocando impressões entre si, ora absorvendo o que dizem sobre os fatos. Sobre o corpo sem vida folhas de jornal ou um lençol amarelado de algum caridoso das imediações se desfez. Entre os curiosos, o sofrimento de um ente que sofre: a mãe, em lágrimas, sobre o corpo inerte. Abraça-se à vítima. O crânio varado de lado a lado por quatro poderosos e mortíferos projéteis de arma de fogo. Ainda bem que essa vítima tem sobre si a dor e o chorar da mãe. O foto do jornal é chocante. A mãe ajoelhada ao lado do corpo do filho, braços estendidos, em desalento. É essencialmente mãe. Seja a vítima usuário ou traficante de droga. Pouco importa. É filho. Dizem, por especulação policial, que o mataram por vingança ou acerto de contas. A polícia afirma, com a veemência que o caso exige, que vai realizar uma profunda e séria investigação. Espera-se que sim. Não tenho dúvida de que haverá essa rigorosa investigação. Mas também não tenho nenhuma dúvida de que não chegará a qualquer lugar. Muito menos à elucidação do crime tão vulgar nos noticiários policiais e no dia a dia dos investigadores. É mais uma vitima. Mais um morto. Ainda bem que chorado pela mãe.
O programa de variedade criminal dá o devido destaque. Informa que a vitima era suspeita de, pelo menos, três homicídios num dos bairros da cidade. Foi executada pelo seu passado e pelo seu presente. Uma vitima, pois, de futuro incerto. Só um passado nebuloso. Mas, a mãe, chorosa, não deu a mínima importância ao passado. Interessava-lhe o presente. Ali, naquele instante. O cruel presente, representado pela babárie da morte brutal. Rosto do filho ensanguentado. Deformado pelas lesões das perfurações violentas dos tiros. Um lençol ou um jornal cobrindo a morte da curiosidade dos circundantes. Ainda assim, a mãe não teve um gesto de vergonha. Não o abandonou. Abraça-se ao corpo sem vida e chora a dor da perda do filho. É a mãe, cumprindo a sua indelegável missão de amar e sofrer. O jornal foi para as bancas e expunha aquele drama, apenas mais um drama de nosso dia a dia. É o cruel sensacionalismo, dramatizado na crueza de uma foto e na história de mais uma vida que serviu não só apenas de notícia, mas que alguém teve a missão profética de devotar-lhe amor. Ainda bem.
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