Manuel Bandeira tem um poema que marcou a existência de muita gente (boa ou não, tanto faz). Nome do poema Pneumotórax. Uma construção poética, de grande intensidade lírica, realizada com uma técnica perfeita, na qual o autor de Libertinagem faz uso do verso livre, recorrendo à harmonia sonora das palavras e dando a elasvigor estético, como se fosse uma sinfonia, para chegar ao epílogo apoteótico dos dois últimos versos: - Então, doutor, não possível tentar o pneumotórax? / - Não. A única coisa a fazer é tocar um tango argentino. Além dessa conclusão poética escatológica, o segundo verso do poema é uma dessas preciosidades eternas: A vida inteira que podia ter sido e que não foi.
Aí está tudo. Bandeira soube sintetizar as impossibilidades do mundo, do cotidiano, da encruzilhada sem saída, do caminho sem fim, sem esperança. Enfim, a única coisa a fazer é tocar um tanto argentino. Ou, aproveitando o conselho poético, a única a fazer tocar um samba brasileiro. E a gente vai levando, mesmo com toda trama, com toda lama e com todos os dramas.
Ultimamente, tenho-me dado ao luxo de fazer algumas meditações, embora não seja monge e muito menos pretenda sê-lo. Coisas do cotidiano. E isso pra não ficar a tocar um tango argentino ou um samba bem brasileiro. Cheguei a uma óbvia conclusão: o capitão Bolsonaro e o Moro, este um espectro de juiz (de Direito, não; que me perdoem aqueles que adoram títeres e vassalos de interesses escusos) são casos perdidos. Ambos representam as maiores farsas da história do Brasil, desde a época dos índios, que Caminha disse que não tapavam as suas vergonhas, até os índios atuais, já agora condimentados pela brancura do capitalismo explorador e pelo negro, que continua lutando arduamente para se ver livre da senzala.Bem. Vou deixá-los de lado. Aliás, a bem da verdade, a grande mídia, por interesses óbvios, não vai muito adiante, está deixando o dito pelo não dito. Vejam bem. Imagine cada um de nós a seguinte situação: temos na nossa cidadezinha um juiz ou uma juíza. Esperamos desse magistrado, por isso mesmo magistrado ou magistrada, que tenha um comportamento isento. E comportamento isento é isento mesmo. Numa ação penal, por exemplo. De um lado está o acusado a defender os seus direitos, entre os quais o sagrado direito de liberdade. No outro lado, o órgão acusador, que é parte e que tem o dever e a obrigação de produzir provas dos fatos por si afirmados. Produzidas as provas, cabe ao magistrado examiná-las, de modo imparcial, mas imparcial mesmo! Sem orientar ou fazer quaisquer sugestões às partes que estão em litígio. Mas ele orienta, intervindo. Sem ser jurista, rábula, ou coisa parecida, a consequênciaóbvia é: enlameou-se a imparcialidade. Os atos praticados pelo juiz ou juíza, sobretudo os decisórios padecem de sérios vícios de nulidade. Isso porque magistrado é magistrado. Não é parte, nem deve ombrear-se a qualquer das partes. O seu compromisso é com a justiça e não com a política partidária, embora tenha consciência política, num sentido científico de compreender a sociedade e os seus sistemas de poder. De outro modo, estamos a tratar de um farsista, enaltecido pelas luzes da ribalta, ou seja, pela vaidade midiática.
Mas estas são apenas meras meditações passageiras. Não as faço como ex-advogado militante e magistrado. Apenas como cidadão, no exercício da liberdade garantida pela Constituição Federal, mesmo em atropelos, ainda vigente.
Volto a encontrar-me em outras meditações. Fora deste mundo de tantos interesses e confusões. Veio-me à massa cefálica, numa conversa saborosa que tive um dileto amigo, desses amigos que a gente, ora e sempre, troca algumas confidências coerentes ou estapafúrdias, o seguinte questionamento: Se houvesse encarnação (com todo respeito ao espiritismo, uma doutrina religiosa que considero séria), como queria voltar reencarnado? Fiquei a dialogar com esse amigo. E ele sugeriu: Aristóteles Onássis, aquele rico armador grego. Evidente que esse retorno seria nas condições patrimoniais. Pensei um pouco. Fiz algumas conclusões e disse-lhe: num primeiro momento queria voltar como um palafitado, para poder sentir como seria a vida de alguém vivendo num palafita. Seria uma experiência de percepção da felicidade e na dimensão saborear os momentos de ser feliz. A propósito, tive um amigo palafitado. Nunca o vi infeliz, embora tivesse suas carências. Mas jogava uma boa bola, ria a beça, convivia com a gente. Às vezes, é verdade, sentia inveja da sua felicidade. Num segundo momento, queria ser encarnado como mulher, pelo simples fato de viver a felicidade de ser mãe. De poder devotar ao filho ou filhos o amor de mãe. Só a mãe tem o amor sublime. No meu retorno mulher, sem qualquer preconceito de cor, queria sentir a gravidez, o amor do filho no útero e o amor de ser mãe. Por último, tenho dito que, embora tenha essas predileções, obviamente não sou invejoso, mas gostaria de ser reencarnado no espírito de Machado de Assis (não sei se é assim), um favelado, negro, pobre, que se transformou num dos maiores romancistas do mundo. Mas no meu sonho de reencarnação, eu não queria chegar tão longe, só queria ter a ventura da nova vida de escrever contos iguais a Missa do galo, Cartomante e o poema A Carolina. Só isso. Nada mais. Hoje, dormirei com esses meus sonhos futurísticos.

* Membro da AML e AIL.