A grande polêmica, no mundo literário, se ateve na perspectiva da escolha do nome a ser homenageado na FLIP, a Festa Literária Internacional de Paraty. Ainda está sendo cogitada, para próxima edição desse evento, a poeta norte-americana Elizabeth Bishop. Ao ser sugerido o seu nome, a grita foi geral, com vozes contrárias à escolha e se manifestando favoravelmente. O escritor e cronista Antonio Prata assim resumiu a sua aprovação: “Bishop comemorou o golpe militar. Foi abertamente gay numa época em que isso era heresia. Lúcida como poucos. Bêbada como poucos. O ser humano é complexo. É disso que trata a literatura.” Ruy Castro, cronista e autor de festejadas obras biográficas, esclareceu a sua posição, afirmando que “serei favorável à Flip homenagear Elizabeth Bishop no dia em que um festival literário americano homenagear Cecília Meireles”. Uma resistência que foge do campo do preconceito para caracterizar um tratamento alheio a qualquer submissão cultural. E resume a questão no seguinte: por que homenagear uma poeta estrangeira, embora tenha vivido no Brasil, uma vez que a Flip sempre prestou homenagens a literatos da nossa pátria amada?
Prosseguimos. Tantas coisas foram ditas, ora no passado recente e ora no presente ainda mais presente. Mario Sergio Conti, jornalista, numa crônica publicada na FS, em 28 dezembro de 2019, trata do lançamento de uma obra de Bertolt Brecht. São seus poemas reunidos e lançados pela Editora Perspectiva. Como esclarece o cronista: “é um evento maior num ano horrendo para a arte e a cultura, assediadas que estão no Brasil pela imbecilidade reacionária”. Brecht foi perseguido pelo fascismo, mas quando o filósofo Walter Benjamin lhe perguntou por que ele não se refugiava na União Soviética, a sua resposta foi de uma inteligência encantadora: - Eu sou comunista, não idiota. Pois bem. Mario Conti fez uma excelente crônica, incentivando-nos a ler as poesias de Brecht.
Concomitante com o que disseram e com o que dizem, resta o vai e vem do nosso presidente capitão, que havia afirmado do alto dos seus coturnos que não daria indulto para esses vagabundos que estão presos. Mas, num surto humanitário, daqueles de dar inveja a Hitler, resolveu mudar de ideia e concedeu o indulto de Natal. Os policiais, as milícias e outras corporações armadas agradecem, externando os seus sentimentos de boas festas.
Luís Francisco Carvalho Filho, advogado, jurista, e dos bons, não deixou por menos. Escreveu um texto que essa turma que sofre de subnutrição mental deveria ler, meditar, contraditar, esbravejar e o diabo. O título é: Natal, Dostoiévski e Moro. Cuidado! Dostoiésvski não é palavrão. É o nome de um romancista russo. Também dos bons. O que diz Luís Francisco? Primeiramente, refere-se ao instituto do indulto: “O indulto de Natal é da tradição jurídica brasileira e, historicamente, serve para distensionar a vida nas prisões, estabelecendo fios de esperança em ambientes marcados pela mais severa brutalidade.” Sabe-se, e isso foi propagado, que o indulto concedido pelo capitão, beneficiou apenas agentes de segurança. E só. Extirpou desse histórico instituto jurídico todo o seu sentido humanitário, para atender tão-só interesses corporativos. Moro, antes “magistrodo” (entre aspas mesmo) e hoje ministro, manifestou-se distinguindo os indultos anteriores com o do capitão, referindo-se àqueles como “indultos salva-ladrões ou salva-corruptos”.
Francisco Carvalho Filho, por óbvio, com fundamento jurídico, ressalta: “Jair Bolsonaro e Sergio Moro (responsável técnico pelo estrambótico decreto) subvertem o caráter genérico do indulto (em benefício de vários setores da população penitenciária, desde que atestado o bom comportamento do preso, entre outros requisitos) e emite sinais de simpatia e conforto para a legião de policiais e milicianos habituados a agir à margem da lei.” E diz mais ainda esse brilhante advogado: “Moro (a mais influente personalidade do Brasil), esperto e demagogo, é um homem iletrado”. Nesta última parte, não deixa de haver um tanto de razão. O nosso oportunista ministro, que fez da magistratura trampolim para carreira política, praticando atos condenáveis e destituídos de qualquer resquício de ética, não é pessoa se compraz com a leitura. Nem mesmo de biografia.
Após a leitura do texto do advogado Luís Francisco, encontro-me com José Eduardo Agualusa. No segundo caderno de O Globo, em 28/12/2019, ele escreveu Exercícios de empatia. Uma crônica elegante, em que Agualusa faz referência aos seus leitores e inicia esclarecendo que a maioria dos seus leitores são leitoras. E afirma textualmente: “...em todo o mundo, as mulheres leem muito mais do que os homens.” E viva as mulheres! Desenvolve a crônica narrando um encontro que teve com algumas leitoras, na cidade de Buenos Aires, onde há um grande número de livrarias por metro quadrado. Todas as suas interlocutoras preocupadas com os dias que hão de vir. Numa espécie de empatia, ao nos colocar na situação do outro. Nisso, Agualusa se lembra dos governantes destituídos desse sentimento empático: “Infelizmente, não temos essa sorte. Um sujeito como o presidente norte-americano, Donald Trump, não só não lê nada, como manifesta o mesmo grau de empatia, e a mesma inteligência e discernimento, de uma pedra submersa.” Pois é, meus caros e caras, sejamos empáticos. Ler, pensar, refletir é o caminho para superarmos o analfabetismo cultural. E mudar o mundo.
* Membro da AML e AIL.
Comentários