Aureliano Neto*

Quando participei do movimento do cursilho da cristandade, havia uma expressão que era repetida, durante os três dias do encontro, que servia de mote, de incentivo e, ao mesmo tempo, de justificativa para aqueles mais presos aos afazeres materiais do dia a dia. Dizia-se e repetia-se esse preceito com a ênfase de um clamor para desestimular os que levavam consigo as preocupações com as coisas da vida, para que pudessem envolver-se no eflúvio da dimensão espiritual exigida pelo tríduo. Pois bem: os dirigentes do cursilho exortavam com fé paulina, a desafiar a todos a viver aqueles dias despidos de quaisquer obstáculos: - Tempo é questão de preferência. Numa outra situação, Martin Luther King, eterno líder na luta pelos direitos civis, no dia 28 de agosto de 1963, na célebre Marcha sobre Washington, disse ter um sonho de que fossem conquistadas a liberdade, a justiça e a igualdade, e, com a fé dessa certeza onírica, poder transformar o clamor dissonante de um Estado segregacionista numa bela sinfonia de fraternidade. É certo: todos sonhamos. O tempo de sonhar está sempre presente em nossa vida. Depende apenas de percebermos o sonho e suas possibilidades. Se sonhamos, podemos construir os nossos castelos de felicidade. Se abdicamos do sonho, deixamos de lado a utopia das grandes realizações e conquistas.
Tive, como todos têm, sonhos. Muitos realizados; outros, nem tanto. O tempo de tê-los e realizá-los nem sempre dependeu da minha preferência, do meu tempo. Mas, ainda sim, sonhei e continuo a sonhar os sonhos ainda não concretizados no discurso de Luther King, de poder transformar a competição social fraticida numa convivência partilhada, em que o fruto do trabalho não seja apenas a avidez do lucro e do bem-estar individual. Não deixa de ser um sonho essa utopia de quem sonha, na perspectiva do tempo de realizá-lo.
Vejam bem e acompanhem-me nesse trajeto reflexivo. O jornal O Progresso nasceu de um sonho de dois homens que se uniram para sua realização: José Matos Vieira e Jurivê de Macedo. Dois incorrigíveis sonhadores, que, como Luther King, sonharam o sonho da liberdade de expressão, a ser concretizada nesta, à época, rústica cidade, e disponibilizaram seu tempo, dando preferência para realizá-lo. Os primeiros momentos de O Progresso se fazem eternamente presentes, por ser o eterno estático, imutável. Machado de Assis, insistentemente citado neste espaço, afirma ser o passado a melhor parte do presente. Isso quer nos dizer que não se pode pensar o jornal O Progresso no presente sem ir ao passado. Platão, no Timeu, obra escrita em diálogo, ao definir o tempo, refere-se a ele como uma imagem móvel da eternidade. O tempo. pois, é móvel, porquanto vemos o passar do dia e o chegar da noite, o correr dos dias, dos meses e dos anos. Daí o presente não poder existir sem potencialmente ir-se ao passado. Há um inevitável entrelaçamento desses momentos.
Ora vejam, não faz muito tempo quando cheguei a Imperatriz, certa feita, fui apresentado a Matos Vieira e Jurivê. A oficina do jornal O Progresso ficava em frente à Praça da Cultura. Nem lembro se assim era chamada. Editado semanalmente, na base do componedor e da linotipo - havia uma só máquina, sob o comando de Zé Carlos -, era o que tecnicamente se denomina de hebdomadário. Esse contato inicial se deu numa tarde. Naqueles recentes dias, havia chegado do Rio de Janeiro para esta cidade e me pus à disposição para colaborar nesta folha, escrevendo a coluna, que recebeu o nome de Crônica da Cidade. Foram três anos (ou mais) seguidos, quase sem interrupção, fazendo parte da equipe de redatores deste jornal, que passou a ser editado diariamente, com exceção da segunda-feira. Num certo momento, em que ocorreu uma crise na direção do jornal, não mais estando nas mãos de Vieira e Jurivê, assumi a função de editor, para realizar os meus sonhos e atender ao leitor de O Progresso. Posteriormente, a editoria passou para César Jansen, um excelente jornalista, que, em vista da situação crítica por que passava o jornal, havendo necessidade de pagar os salários dos empregados, deu maior destaque às matérias policiais, fazendo com que as vendas continuassem ativa e fossem cumpridas as obrigações trabalhistas.
Como é preciso sonhar para construir o mundo, muitos foram os sonhadores. Cito alguns, que foram importantes para existência de O Progresso, hoje em casa nova: Clemente Viegas, que escrevia a coluna Visão Geral, assinando-a como Cleviégas. Eram textos saborosos, de leitura rápida, porém opinativos e, sobretudo, informativos; Edmilson Franco, que degustava os leitores com a Coluna do Ed Franco, onde se realçava um texto primoroso, com destaque para Uma Pequena Lição, leitura obrigatória e preferida daqueles apreciavam seus ensinamentos, traduzidos em exemplo de vida; Reginaldo Amorim, o RB, que tratava dos problemas da cidade. E José Edilson, o nosso Zé Edilson, que editava uma das colunas mais lidas, escrevendo sobre as festas e as personalidades da sociedade imperatrizense. Pensar em Zé Edilson faz com que o passado se faça presente, e tão saborosamente presente. Se a sua coluna fosse reeditada, ter-se-ia o retrato da sociedade daqueles anos, com as festas no Juçara, no Tocantins, no Hotel Anápolis, no Balaio, no Cantão, e os encontros na flutuante do Ataíde e, depois, no Boliche. Com Maria Clara e outras personagens transitando pela passarela das notícias. Bons tempos que, felizmente, continuam tão bons. São os sonhos, que se constroem no curso do tempo, já que o tempo é móvel e a eternidade, imóvel. Pois é: Comentando, de Jurivê, é cara de O Progresso. Jurivê e O Progresso foram irmãos siameses, que o divórcio não conseguiu separar. Isso comprova a máxima platônica: o tempo é imagem móvel da eternidade. O Progresso, do componedor e linotipo, ficou lá atrás, porém bem presente, sem apagar o rastro daqueles que realizaram o sonho de cinzelar a pujança da expressão informativa que se projetou na construção política e cultural desta região.

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