Aureliano Neto*
Imperatriz tem grandes poetas. Mas, o mais importante, Imperatriz tem um grande poeta: Zeca Tocantins. Sempre considerei a poesia de Zeca Tocantins muito forte. Porque muito lírica. Porque muita telúrica. Porque muito humana. Porque essencialmente poesia, sem o rebuscamento de uma linguagem metida a besta. Nada disso. Zeca Tocantins é um poeta que diz tudo aquilo que lhe vai nalma. Não apenas em sua alma, ao tirar de dentro de si toda a essência do seu discurso, que também é nosso. Zeca expurga da alma o que está nalma de todos nós. Quando o leio, me lembra momentos de Cecília Meireles, sem que a imite. Longe disso. Por isso, deve ser dito com ênfase, não é Cecília Meireles, é apenas e tão somente Zeca Tocantins. A autora de Romanceiro da Inconfidência e de Ou Isto ou Aquilo, dois momentos importantes e cruciais na produção artística dessa tijucana do Rio de Janeiro, em Motivo, um dos seus poemas, se apresenta como poeta e conclama as razões do seu cantar: - Eu canto por que o instante existe / e minha vida está completa. / Não sou alegre nem sou triste: / sou poeta. (...) Sei que canto. E a canção é tudo. / Tem sangue eterno a asa ritmada. / E um dia sei que estarei mudo: / - mais nada."
Zeca Tocantins nos afirma em Existência a sua missão profética, porquanto existencial, de ser poeta: Sou poeta / porque não sei / ser outra coisa. / Quando respiro / quando caminho / faço poesias. / Meus olhos / não são olhos. / Nem meu coração / é coração. / É pura poesia. Nesse poema se encontra toda a essência de Zeca Tocantins: a pura poesia que ele respira e transpira. É o artista falando de si sem o malabarismo frásico. É o poeta falando da sua essência de ser poeta e fazendo poesia, trabalhando a palavra de forma simples. A arte tem por essência ser simples.
Em Curandeiras, obra recém-lançada, Zeca Tocantins se coloca de corpo e alma, na sua essencialidade humana, demasiadamente humana, para nos dizer, em todo o curso dos seus versos (que são nossos), que ele mesmo é pura poesia. Produz uma poesia que sai inteira e cruamente do seu ser, como vida e como ofício de transpirar e de expor seus viscerais sentimentos. Nisso todo o fundamento de ser poeta. E como é bom e poeticamente agradável ler, absorvendo Zeca Tocantins, a nos conclamar o ofício dessa arte: - Quis fazer da poesia / minha arte. / A tudo supliquei / conhecimento. / Dos ventos / quis saber da liberdade / Das tardes / quis saber do esquecimento. / Saí batendo por aí / de porta em porta. Pois é. O poeta, para ser poeta, é todo essa busca do sentir. Faz da poesia o seu verdadeiro e único ofício. E bate de porta em porta, porque é inquieto. Vai a todos os cantos. Sofre a empatia de captar em seus devaneios poéticos todos os sentimentos do mundo. De outro modo, não seria poeta. Mas apenas bom versejador. Assim, nessa incessante busca, foi Drummond, Pessoa, Gullar, Gonçalves Dias, Clarice Lispector, esta no fazer poemas em prosa, José Régio, que, em Cântico Negro, evoca a sua absoluta liberdade: - Ah, que ninguém me dê piedosas intenções! / Ninguém me peça definições! Ninguém me diga vem por aqui! (...) / Não sei por onde vou, / Não sei para onde vou, / - Sei que não vou por aí! Com esse grito libertário, o poeta, como ocorre também com Zeca Tocantins, tem feito e traçado o caminho de sua poesia apegando-se à liberdade de extravasar livremente o seu sentir. Segue o seu caminhar, exercendo o seu ofício de fazer poemas com sentimentos do mundo, procurando projetar-se na essência de ser a pura poesia.
Nessa essencialidade, Zeca Tocantins não nega o que Cecília Meireles, no poema Discurso, nos diz com profundo lirismo: - E aqui estou, cantando. / Um poeta é sempre irmão do vento e da água: / deixa seu ritmo por onde passa. Sem fugir desse vínculo, a poesia de Zeca não se ausenta da realidade de onde o poeta nasceu, viveu e sorveu toda a sua humanidade: o Tocantins. Não é por nada que deu ao seu nome essa força poética: Zeca Tocantins. Em si, um verso forte, que traz o fulgor da terra e da água que banha a sua luta diária pela vida. Ser humano é a arte / que a vida mais aprecia. Aí o fundamento da sua transpiração. O canto maior de todo um universo de poemas operários, que batem de porta em porta, já que seus poemas se recusam em não ser poemas, porque essencialmente nascem e ficam poemas. É a arte.
- Quem irá / julgar os deuses. / Quem os deuses julgarão? / São isentos / de pecados. / Ou são dignos de perdão? É verdade, ainda que poética, uma verdade a nos fustigar: quem nos julgará?, já que Pessoa, na voz de Álvaro de Campos, em Poema em Linha Reta denuncia: - Nunca conheci quem tivesse levado porrada. / Todos os meus conhecidos têm sido campeões em tudo. (...) Toda a gente que eu conheci e que fala comigo / Nunca teve um ato ridículo, nunca sofreu enxovalho, / Nunca foi senão príncipe - todos eles príncipes - na vida... Pois é: quem nos irá julgar? Todos somos príncipes. Não somos dignos de perdão, porque não há pecados. Quiçá, por isso, o poeta de Curandeiras busca todo dia corrigir o seu lado torto. Quem sabe, de propósito, contrariando Drummond, que exorta Carlos a ser gauche (um tanto torto) na vida. Ainda assim, seguem os poetas nesse trajeto de interrogações sem resposta. Poeta, como todo poeta, é um agnóstico. Faz do sentimento a nossa eterna dúvida existencial. Vinícius, no poema A Hora Íntima, nos deixa essa cruel interrogação: - Quem pagará o enterro e as flores / Se eu me morrer de amores? É a dúvida não só desse grande poeta, que misturou canções e versos, como deste outro grande vate tocantino, que também tem a força artística de amassar, como o oleiro, versos e canções. Com as Curandeiras, curemos as nossas dores e os nossos amores.
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