Resultado de pesquisa feita recentemente, não sabendo por quem, nem procurei saber, conclui que 60% dos homens são infiéis, enquanto as mulheres são 40%. A diferença na arte de trair entre os dois gêneros não é tão grande. Pensava eu, ainda apegado a valores antiquíssimos, que os homens ostentassem o troféu de grandes traidores. Enganei-me. Ainda bem. Afinal, a história bíblica nos dá notícia de duas traições. A primeira foi de Eva que recorreu ao engodo da maçã. E daí em diante o paraíso deixou de ser paraíso, surgindo, do golpe dado em cima de Adão, o inferno, que Sartre, em tempos mais atuais, vem a nos dizer que são os outros. Mas isso é coisa de Sartre, com seu existencialismo, que influenciou os anos 60. A segunda traição mais séria – com certeza deve ter havido outras, aqui não tenho a nobre intenção de dar curso sobre a Bíblia para ninguém – foi a de Judas, que, para trair Jesus, recebeu trinta moedas de prata. Apenas, nesse caso do Iscariotes, tudo estava acertado. Quisesse ele ou não, seria o traidor. Nasceu com essa predestinação. Tanto que, ao arrepender-se, percebendo o grave equívoco, que levou Cristo à morte na cruz, suicidou-se. Pedro foi mais esperto. Negou por três vezes e, reconhecendo que cumprira a profecia, pediu perdão e até hoje, dizem, se encontra com a chave dos céus, para abrir-nos quando tivermos a ventura de por lá chegarmos.

A pesquisa constatou ainda que esses percentuais de infiéis, referentes a homens e mulheres, envolvem os poligâmicos por natureza, assim como há os traidores ou traidoras oportunistas. Explico: há aqueles que praticam a infidelidade por hábito, e há os que apenas aproveitam a oportunidade. Do mesmo modo, temos os infiéis que acreditam, com a fé que remove montanhas, que fazer sexo por fazer não caracteriza ato de traição. Apenas um ponto fora da curva, aproveitando a máxima do nosso ministro Luís Barroso, do STF. Existem ainda os infiéis preguiçosos, que chegaram à conclusão de que trair dá uma trabalheira danada. E, do alto de sua experiência de pular a cerca, afirmam, com profundo conhecimento de causa: – Só uma mulher dá um trabalho dos diabos. Então, pra que duas! Já a infidelidade das infiéis é mais contida. Uma traiçãozinha aqui, outra acolá. Mas com certo recato. Sem exageros dos machos. Numa outra ponta, há os que traem, porque a convivência está em crise. Os dois já nem se tocam, e falam só essencial. Algo como bom dia, boa tarde ou boa noite. Ou, em situação mais grave, vai para o diabo que o carregue! Partem para novas experiências, pois precisam ter satisfeito as suas necessidades afetivas ou sexuais. Afinal, os filhos ainda são necessários e, segundo a ciência, em que pesem os tempos moderníssimos, ninguém faz filho olhando um para o outro. É preciso algo mais contundente e de resultado agradável. 
As conclusões dessa pesquisa me fizeram lembrar de duas histórias. A primeira delas foi um caso julgado por um dos nossos tribunais. O casamento durava 35 anos. Como se diz por aí, uma vida. A “idosa esposa” – e muita gente assume essa devastadora condição – flagrou e comprovou que o seu marido há algum tempo não era mais fiel. Arranjara outra. Não tão idosa. A chamada mulher de trinta. O pior: documentou que a concorrente procurara um tabelionato para que fosse lavrada uma declaração que dissesse que vivia em união estável com o marido traidor. ronto! Casamento acabado. Dano moral pleiteado contra a parceira extraconjugal. Resposta dada pelo juiz e ratificada no tribunal: – O judiciário não pode punir uma pessoa por ter seguido seus sentimentos. Enfim, o que quis dizer: amar não é trair. Final aluisiano: a “idosa ex-esposa” curte a solidão do divórcio, e o ex-marido, a trintona. São os novos tempos. De felicidade para uns, e não tão feliz para outros.
O segundo caso lembrado se encontra numa crônica de Carlos Drummond de Andrade: O Outro Marido. Santos e Laurinha, os personagens de Drummond. Casados 23 anos. Viveram demasiadamente perto um do outro. Diz o cronista: – tão perto que se desconheciam mutuamente, como um objeto desconhece outro, na mesma prateleira de armário. Santos se incomodava em ser objeto. Apenas se tocavam. Laurinha assumia a sua missão doméstica de objeto. Santos recorria ao estado de doente, como complemento de vida conjugal. Os dois iam se suportando. Um dia, Santos resolve internar-se num hospital. Ela não precisava visitá-lo, disse-lhe o marido. Todo fim de mês traria a sua mesada. O tempo passa. Um ano, dois anos, cinco anos. O trato é cumprido com absoluta fidelidade. Certo dia, Santos não mais veio. Laurinha sentiu falta do dinheiro e da escassa visita mensal. Foi até o hospital. Lá ninguém o conhecia. Foi ao emprego de Santos. Disseram-lhe: falecera, havia quinze dias. E perguntaram-lhe se queria o endereço da viúva. Espantou-se. – Eu sou a viúva. – Não, responderam-lhe. A viúva de Santos é d. Crisália, com quem tem três filhos. Mostraram-lhe a foto. Lá estava Santos, lépido, fagueiro, com os filhos e a outra mulher. Um outro homem, de sorriso aberto, sem ar de doença. Drummond conclui, pondo essas palavras na boca de Laurinha, o objeto: – Desculpe-me, foi engano. A pessoa a que me refiro não é essa. E despediu-se.