Há um alerta aqui e acolá sobre os avanços perniciosos da direita, a qual, como oportunista que é, se aproveita do momento de crise que perpassa o mundo inteiro, atingindo a nossa pátria amada Brasil, que não vive isolada, mas num contexto de relações com outras nações. Sou, e sempre fui favorável aos movimentos sociais (que ajudam nas reformas sociais), assim como sempre lutei pela democracia, por ser um regime de governo que tem resistido a todos os tormentos desde a sua prática inicial em várias das cidades-estado da antiga Grécia, seu berço de nascimento, em que eram outorgados aos cidadãos gregos direitos a se manifestarem nas assembleias e à igualdade de todos perante a lei. Toda disputa democrática não se resolve com ódio, com o uso da força, mas com eleições, voto, e, como consequência, com a escolha consciente de representantes para o exercício de mandatos parlamentares ou para a função executiva. Essa é a simplicidade do processo democrático. Quem perde deve ter a civilidade de aguardar o próximo pleito para retornar à luta e tentar obter êxito. A democracia norte-americana tem sido um exemplo edificante em seus mais de duzentos anos de existência. É o modelo ideal? Com certeza, não. Toda sociedade tem suas mazelas. Os Estados Unidos não fogem dessa regra, até porque é um país extremamente racista e de profundas desigualdades. Pobre é pobre. Rico é riquíssimo. Branco é branco. Negro é excluído. E estamos conversados.
A luta pelos direitos civis, com o assassinato dos Kennedy (John e Robert) e Martin Luther King Jr., abalou os alicerces norte-americanos, feriu a argamassa social, exigiu mudanças e a forte intervenção dos poderes constituídos, sem, contudo, criar fissuras nas pilastras das instituições democráticas. Arrefeceu em milímetros a discriminação racial, porém as instituições de Estado não sucumbiram, não se ouvindo a voz retumbante de golpistas a trombetear a derrubada do governo legítima e democraticamente escolhido através do sufrágio universal, após longo período de sucessivos debates pré-eleitorais.
No Brasil, quando a elite se sente ameaçada, utiliza os arautos do caos – historicamente os de sempre – para jogar o seu jogo antidemocrático. E, a partir daí, tem início o processo de legitimação do golpe, que vai aos poucos se espraiando, alargando-se, assumindo o corpo de uma tese, revestida de fundamento político ou jurídico. A nossa história é rica nisso e tem se repetido como farsa. A última foi o golpe de 1964, quando se legitimou a tese de que o país estava na iminência de se transformar numa república sindicalista, dominada pelo comunismo de Moscou. Tudo blefe de nossa elite, ameaçada pelas reformas de base do então presidente João Goulart, que incluía a tão temida reforma agrária, bem como o controle das remessas de lucros das empresas estrangeiras. As dondocas do panelaço de agora foram às ruas, nos idos de 64, e encheram as nossas avenidas de pernas, em defesa da família brasileira. Tudo mentira. Faziam parte do rebanho desorientado, no dizer de Chomsky, já que sequer sabiam o que diabo estavam reivindicando. Não liam nada, não sabiam nada, não refletiam sobre nada, enfim eram meras teleguiadas de uma turma de espertos, que depois, derrubadas as instituições democráticas, foram lamber botas dos militares de plantão. Foram vinte anos de farsa. Muitos brasileiros foram torturados e assassinados nos porões da repressão. E, agora, a nossa elite, não tendo mais nada o que fazer, bate palmas para as cretinices de Eduardo Cunha. Ainda bem que o impolutíssimo Cid Gomes, que não tem papas na língua, não é burro e não deve nada a ninguém, disse o que devia ser dito.
Feitos todos esses comentários, explico o título deste texto. Não é bem de minha autoria. Peguei de empréstimo de Luiz Carlos Bresser-Pereira, tucano de carteirinha e ex-ministro do presidente José Sarney e FHC. Ao lançar o livro – A construção política do Brasil, Sociedade, economia e Estado desde a independência –, pela Editora 34, deu uma entrevista à Folha de São Paulo, de página inteira, na edição de 1º de março de 2015, sobre os temas que foram objeto do seu estudo. Bresser-Pereira fala na quebra do pacto político nacional-popular formulado com êxito no governo Lula e que, depois, pela queda do crescimento, se rompeu. Diz mais que isso, fez surgir um fenômeno que nunca tinha visto no Brasil: – “De repente, vi um ódio coletivo da classe alta, dos ricos, contra um partido e uma presidente. Não era preocupação ou medo. Era ódio.” E acentua: – “Esse ódio decorreu do fato de se ter um governo, pela primeira vez, que é de centro-esquerda e que se conservou de esquerda. Fez compromissos, mas não se entregou. Continua defendendo os pobres contra os ricos. O ódio decorre do fato de que o governo revelou uma preferência forte e clara pelos trabalhadores e pelos pobres. Não deu à classe rica, aos rentistas.” Dos seus oitenta anos de vida, traz à luz do dia questões que estão escondidas no jogo duro e cruel da nossa elite reacionária, agora liderada pelo tucano derrotado no último pleito, a ensaiar o golpe em nossas instituições democráticas, que estão funcionando sem qualquer problema, como ocorre com o Ministério Público, a polícia federal e o Supremo Tribunal Federal.
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