Machado de Assis

 “Mudaria o Natal ou mudei eu?”

Cora Coralina

Enfeite a árvore de sua vida
com guirlandas de gratidão!
Coloque no coração laços de cetim rosa,
amarelo, azul, carmim,
Decore seu olhar com luzes brilhantes
estendendo as cores em seu semblante
Em sua lista de presentes
em cada caixinha embrulhe
um pedacinho de amor,
carinho,
ternura,
reconciliação,
perdão!
Tem presente de montão
no estoque do nosso coração
e não custa um tostão!
A hora é agora!
Enfeite seu interior!
Sejas diferente!
Sejas reluzente!

Poderíamos começar o rito natalino com duas orações, que sacramentaram o nascimento daquele que foi concebido por uma mulher nazarena, que vivia na pobreza e que fora prometida a um carpinteiro, José, considerado um homem justo. A primeira oração foi recitada por Maria, a mãe de Jesus, quando aceitou a missão materna, sob a força persuasiva das palavras do anjo que lhe disse: “O Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo, te envolverá com a sua sombra. Por isso, o ente santo que nascerá de ti será chamado Filho de Deus.” Maria, como resposta, aceitando a árdua missão de ser mãe do Filho de Deus, faz esta bela e doce prece: “Eis aqui a serva do Senhor. Faça-se em mim segundo a tua palavra.”

Maria de Nazaré, a prometida a José, num ambiente de absoluto patriarcalismo, no qual a mulher tinha o seu valor medido pela sua capacidade procriatória e de submissão ao marido, ao pôr-se como serva do Senhor e respondendo com um decidido “faça-se de mim”, fez do sim o advento grandioso de um mundo novo, de um homem novo, de uma mulher nova, de uma nova era.

A outra oração, da outra mulher, advém da visita de Maria a sua prima Isabel, aquela que, na velhice, concebeu um filho, que Zacarias, o pai, por determinação divina, deu-lhe o nome de João, o precursor, o qual, vivendo no deserto e se alimentando de mel e gafanhoto, pregava a vinda do Reino de Deus e anunciava a chegada do verdadeiro Redentor. Aplainava o difícil e pedregoso caminho do Senhor. Por determinação dos poderosos da época, sem existência de crime, cortaram-lhe a cabeça.

Maria, depois de uma longa caminhada, saindo de Nazaré para as montanhas de Judá, foi-se encontrar com Isabel. Ao entrar na sua casa, saudou-a. Tendo Isabel ouvido a saudação, a criança de que estava grávida, estremeceu no seu seio de alegria. Isabel não se conteve e, cheia do Espírito Santo, exclamou em oração, em alta voz: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre. Donde me vem esta honra de vir a mim a mãe de meu Salvador? (...) Bem-aventurada és tu que creste, pois se hão de cumprir as coisas que da parte do Senhor te foram ditas!”

Toda essa simplicidade desses encontros indica que o Natal é um momento forte de encontro, de amor e de solidariedade. E o encontro e a solidariedade não estão nos presentes, ma nas presenças. Antes dos presentes, que podem até simbolizar um contraste, impõem-se as presenças, cujo ponto de referência é o nascimento de Jesus, que nos trouxe o mandamento do amor: amar a Deus e amar ao próximo a ti mesmo. Por isso mesmo, Natal é contraste, desigualdade – os reis magos e Jesus numa manjedoura -, é família, encontro, pobreza material e riqueza de sentimento, luta pela justiça e por uma sociedade justa, em que pobre seja respeitado como ser humano e não como mero interesse estatístico. No Natal, façamos do amor a oração humanística de luta contra a pobreza, cada vez mais infame e cada vez mais anticristã.

Cora Coralina, no poema Humildade, nos concita a sonhar: “Senhor, fazei com que eu aceite / minha pobreza tal como sempre foi / (...) Daí, Senhor, que minha humildade / seja como a chuva desejada / caindo mansa, / longa noite escura, / uma terra sedenta / e num velho telhado velho. / (...) E ter sempre um feixe de lenha / debaixo do meu fogão de taipa, / e acender, eu mesma, / o fogo alegre da minha casa / na manhã de um novo dia eu começa.”

Neste Natal, recomecemos, com amor... ao outro.

Membro da AML e AIL.