O que ficou de você, Carlos, foi a sua vida: um imenso céu de bondade. Não a morte. Um homem como você não morre. Nunca morrerá. Pereniza-se em face de uma suposta possibilidade de morte. Rubem Alves, em A Ostra Feliz não Faz Pérola, nos diz que a vida é aquilo que fazemos com a nossa Morte. Acrescento: – Vivemos a vida e vivemos a Morte. Alguns morrem definitivamente, materialmente; outros, jamais. Você, Carlos, incluído entre esses outros, não morrerá. A sua vida nega veementemente a sua morte. Nesse desfecho de partida, há duas possibilidades, sim, Carlos, há duas possibilidades: ou viver-se a outra vida no reino do Amor, construído por Deus, o Pai, para pessoas como você, que soube amar ao próximo, ou não existir essa outra vida. Mas, como há essa outra vida, há esse reino do Amor, resta então a saudade de sua partida para outra dimensão do Amor eterno. A saudade de sua ausência é salutar, fortifica os seus amigos – e foram muitos, Carlos – e os seus entristecidos familiares. Mas essa saudade afasta o sentido escatológico da Morte, sobrevindo a certeza a Vida, em que pese essa ambivalência fazer parte da nossa existência. 

Conheci Carlos Gomes de Amorim nos anos 70, precisamente a partir de 1975, quando aportei por esta cidade de Imperatriz, então no ciclo do rico período da regularização fundiária realizada pelo INCRA, através do Projeto Fundiário. Mas não o conheci como fazendeiro. Conheci-o como médico. Logo fiquei sabendo da sua boa fama de ser um médico humanista. Diziam: – Nenhum paciente, por mais pobre que seja, Carlos Amorim deixa de atender no seu hospital. Era uma verdade. Se tivesse que usar um clichê, diria sem esboçar qualquer dúvida: – Dr. Carlos Amorim exercia a profissão de médico como se fosse um sacerdote. Sem exigir dízimo, para salvar vidas. E salvou, extravasando a sua imensa bondade, milhares de vida, sem fazer a mínima questão de receber as benesses dos honorários. Não era político. Era apenas médico. Um dos pioneiros da medicina em Imperatriz. Dignificou a profissão, humanizando-a. Insisto: foi, durante toda a sua vida, um homem bom. Nunca ouvi falar nada, absolutamente nada, que desabonasse esse conceito que tive dele durante todos esses anos que o conheci. Mesmo sendo político – e foi um excelente prefeito de Imperatriz –, não consta no seu currículo de homem público nenhuma nódoa que macule a sua honra. 
Carlos, amigo. È verdade: não fomos íntimos, mas fomos amigos. A sua partida me enche de saudade. Você deveria ser homenageado não apenas com um insignificante nome de rua ou avenida, dessas normalmente cheias de buracos e acidentadas. Não, Carlos. Você, pelo que fez por Imperatriz, como médico, sobretudo como médico, um médico humano, um sacerdote da medicina, deveria receber uma homenagem que o eternizasse no coração daqueles que muito lhe devem. E olha, Carlos, repito: são muitos. E eu sou um deles. Quantas vezes fui atendido no seu consultório, e, no seu gabinete, quando prefeito. As portas do Palácio Dorgival Pinheiro estavam sempre escancaradas, não só para mim, mas para aquelas pessoas mais humildes, que você a elas dedicava um inesgotável amor de bom samaritano. Creio que devem ter te acompanhado até a tua morada, onde tu vás viver a saudade, representada na volta das coisas boas que tu plantaste e colheste entre nós. Desculpe-me, Carlos, a repentina mudança de tratamento do você para o tu. Impõe-se a necessidade de poder, sem muita cerimônia, apertar as tuas mãos neste momento da tua viagem da saudade.
Ah!, lembro-me de ti, não só como médico, mas como prefeito desta nossa princesa do Tocantins. Eleito em 1976, com uma votação grandiosa. Venceste dois leais adversários: Remi Ribeiro e Agostinho Noleto. Era disputa entre os candidatos da ARENA. O MDB estava ainda em processo embrionário, tendo à frente figuras proeminentes como o Dr. Ubirajara, Ruth Noleto, José Matos Vieira, Salustiano Salu e outros. Saíste consagrado das urnas. Exerceste o mandato de 1977 e a 1982. Lembro do teu comício de encerramento na Praça de Fátima. Foi apoteótico. Venceste. Foste um grande prefeito. Mantiveste o teu nome no pedestal de honra da política imperatrizense. Nada o macula. Entraste com o que tinhas e saíste com menos do que possuías. Isso é excepcional, se considerarmos que prefeito é sinônimo de ave de rapina do dinheiro público. Tu conseguiste passar seis anos numa prefeitura como a de Imperatriz, sem sujar as mãos, sem lamear os teus passos dados nessa longa caminhada. 
Carlos, poderia aqui, neste pequeno e insignificante pedaço deste jornal, falar de tuas obras, como o Calçadão, que, seguindo a tua linha de conduta, humanizou uma avenida. Não quero referir-me a tuas obras. A tua grande obra, Carlos, foi o teu humanismo. Ser uma pessoa humana, tanto como médico e como político. Tu viveste entre nós para servir e não para ser servido. Tu fizeste da política, como homem público probo, um ato de serviço. Saíste como entraste, calçando a sandália da humildade e da honestidade. Quando foste receber o título na Assembleia Legislativa do Estado, Dorian, teu grande e estimado amigo, me convidou. Estive lá. Foi uma homenagem merecida. De Alagoas para as margens do Tocantins, tu plantaste raízes, que te colocaram na página de nossa história. Não apenas por ter sido médico, não apenas por ter sido prefeito desta cidade, mas por ter sido um homem que, acima de tudo, amou o teu semelhante. A saudade que tu deixas é a nossa alma dizendo para onde ela quer voltar. Esse voltar é voltar para os momentos de felicidade que tu soubeste, com a força do teu humanismo, plantar entre nós. Essa é a grande saudade, que não decorre da Morte, mas da Vida que soubeste viver. Vai, Carlos, viver essa outra vida, no reino do Amor.