A noite estava esplêndida. Mesmo sem a luminosidade, ainda que escassa, da lua, e sem as gotículas de estrelas a pontilharem os céus. Era festa. O tempo retirava a sisudez do momento. Fustigava um vento suave, que, por sua força persuasiva e aconchegante, expulsara o causticante calor que fizera durante a tarde. As mesas se espalhavam pela quadra, circundada pelos convidados, ora em conversa amena, ora ouvindo os discursos. O ambiente não impunha austeridade, mas um ar de reciprocidade fraternal. Tudo isso estava a ocorrer no dia 11 de abril deste ano na Escola Municipal de Educação Bilíngue para Surdos Prof. Telasco Pereira Filho, localizada na rua Henrique Dias, no bairro São José do Egito. A Associação dos Surdos recebia do município de Imperatriz, das mãos do prefeito Sebastião Madeira, o prédio-sede onde se processará todo um trabalho educacional de inclusão daqueles que sofrem de surdez. Na oportunidade, comemoravam-se os vinte e três anos de trabalho prestado com a específica finalidade de incluir o surdo nas atividades sociais. Um trabalho alicerçado pelo humanismo prático de alguns abnegados, que exige a participação ostensiva dos que fazem da sua vida um ato de servir, na valorização da pessoa humana.
Esse epílogo festivo tem história. E uma história de luta. Pois é. Na vida, é lugar-comum dizer-se que tudo se constroi com muita dedicação e luta. Fato esse irrefutável, que caracteriza a missão daqueles que, na ânsia de prestar serviço ao outro, afasta quaisquer obstáculos, sem estirar a outra mão para receber a paga do bem concedido, sob qualquer denominação. Assim é a ASSIM - Associação dos Surdos de Imperatriz, surgida em 2011, já que, antes fora a ADAI - Associação dos Deficientes Auditivos de Imperatriz, que teve a sua trajetória iniciada em 1985.
Fazer o que fazem os que integram, ainda que voluntariamente, a Associação dos Surdos de Imperatriz - ASSIM é realizar ato de profundo humanismo, sem que haja necessidade de transcender para âmbito de uma concepção religiosa, em qualquer de sua exteriorização multifacetada. Trata-se de ato simples, transcendental no querer bem do ser homem como ele é, com suas virtudes e seus imensos defeitos, que contaminam todos nós.
Os que padecem de surdez exortam: - Não somos deficientes físicos; somos seres humanos, que precisam, por meio de educação específica, ser respeitados e incluídos na sociedade, sem delimitações, já que os obstáculos podem ser superados, ao fixar-se o elo da linguagem da comunicação. Não deixam de ter razão. Vencida a surdez, através de um processo educacional inclusivo, centrado numa linguagem própria, em que se estabeleça a comunicação com os segmentos ativos da sociedade, não há que se cogitar uma relação restritiva. Estabelece-se a completude tão ansiada.
Na atuação da ASSIM, vem à tona o sentido humanístico da sua missão, refletida pelos pensadores que afirmam que "a verdadeira questão é saber se devemos crer no homem (humanismo teórico) para querer o bem dos indivíduos ou se podemos querer seu bem (humanismo prático) mesmo tendo todas as razões para não nos iludir quanto ao que são" (André Comte-Sponville, in Dicionário Filosófico, p. 285). O humanismo prático, que se constitui no cerne das ações da ASSIM, não é um ato de fé, no sentido de um fazer religioso, mas um exercício de fidelidade de compreender o homem como ele é e operar as transformações inclusivas daqueles que, educados, eliminam os obstáculos de conviver com o outro e passam a ter uma atuação ativa no domínio de sua vida, no fazer do seu destino.
Por isso mesmo, o humanismo prático vale pelas ações que suscita, ao criar condições para que o homem seja dignificado como ser livre e completo, e não como deficiente físico, que necessita de muleta que o ampare no caminhar. Como afirma o filósofo citado, "(...) não é porque eles (os homens) são livres que é preciso educá-los; é para que tenham uma oportunidade, talvez, de vir a sê-lo". O homem não é Deus, razão pela qual, suprindo as suas dificuldades, faz-se com que ele seja efetivamente humano. Esse o sentido da prática da ASSIM, que se rejubila todas as vezes que um surdo, vencendo as dificuldades, alcançando a afetiva comunicação, passa a exercer na plenitude o status que o dignifique como ser humano, desprovido de quaisquer restrições psico-físicas ou de qualquer dimensão social.
A missão é de muitos. Cito alguns desses humanistas: Maria Ivanilde, pioneira nesse trabalho, o Dr. Ubirajara Pereira, médico de vocação, que tem feito do exercício da profissão não um meio de vantagem material, mas de elevação espiritual. No âmbito institucional, a Casa da Amizade, que integra o Rotary, vem há anos envolvida nessa árdua e dignificante missão, destacando-se, ainda, as Sras. Maria Joana Arraes, Luíza Queiroga, Marivalda Veras, Graça Ubirajara, Graça Dantas, profa. Eline, Jacirema Coelho, quando foi presidenta da Casa da Amizade, Adriana Oliveira Santos, Antônio Arrais, o prefeito Sebastião Madeira, Agostinho Noleto e tantos e muitos outros, que têm feito a doação de si para servir no serviço de inclusão dos surdos. Que ASSIM seja!