Aureliano Neto*
"...impunidade da magistratura, que tem bandidos atrás das togas." Esta, literalmente, a expressão usada pela ministra Eliana Calmon, Corregedora do Conselho Nacional de Justiça, ao evocar o seu canto gauche, numa ênfase retumbante, em defesa do amplo exercício dos poderes do CNJ. Tudo isso porque o Supremo Tribunal Federal estaria na iminência de julgar uma ação direta de inconstitucionalidade, promovida pela Associação dos Magistrados Brasileiros contra a Resolução n.° 135, que regulamenta o processo disciplinar de juízes, por entender a AMB que essa norma contém regras que ferem, de forma direta, preceitos fundamentais da Constituição Federal, em detrimento da magistratura e não do magistrado.
Aproveitando-se desse canto de revolta da ministra, sobretudo porque o alvo foram os bandidos de togas, na expressão dela própria, e, de início, sem discriminação, se se referiria a poucos ou muitos, ou a minoria ou a maioria, a mídia em peso veio para cima para dar apoio à magistrada corajosa. À unanimidade, todos fizeram coro, com exceção do ministro Cezar Peluso, que teve a desdita corporativista, como afirmam alguns defensores da moralidade absoluta, de repudiar com veemência, no seu dizer, as acusações levianas que lançavam dúvida sobre a honra dos juízes.
A revista Veja, que não perde uma oportunidade como essa, editou logo uma reportagem com o agressivo título "Os Bandidos de Toga" e, do rol dos mais de quinze mil juízes brasileiros, relacionou uns cinco ou seis havidos como corruptos, todos integrantes da cúpula do Judiciário, não sendo nenhum deles magistrado de instância inferior. Com esse número reduzido de infratores, refere-se, escandalosamente, a "uma profusão de juízes-bandidos atuando no Brasil". Como se deduz, o canto de revolta da corregedora Eliana Calmon teve repercussão hiperbólica. Passou-se a ter, agindo no seio da magistratura brasileira, uma profusão de juízes-bandidos. A questão básica tomou, por conta de interesses nada confessáveis, outro enfoque.
Uma colunista, até bem apessoada, segundo a foto, do Correio Braziliense, em texto apologético, de grandes e repetidos adjetivos, publicado em 02/10/2011, faz uma estonteante afirmação, quando diz: "A bandeira de Calmon (assim mesmo, com toda a intimidade que passou a ter com a mais nova heroína nacional) é um fio de esperança para quem aguarda mudanças efetivas na sociedade brasileira." Bem, não entendi o sentido da frase, até porque, se existe alguma bandeira, a esperança não está com quem a empunha, mas com a moralidade da toga, que não se centra numa só pessoa, mas na instituição. Ademais, se o Judiciário brasileiro é, com todas essas certezas, formado, em profusão, de juízes-bandidos, de fato, a bandeira de Clamon não é só um fio de esperança, é a verdadeira esperança do povo brasileiro, porque, só assim, os bandidos serão convenientemente expurgados dos quadros da magistratura nacional, numa assepsia sem igual, digna de rivalizar com os expurgos realizados por Hitler, quando, assentado numa ética duvidosa, aplaudida por todos, montou a estrutura do holocausto, que culminou na solução final. Desculpe-me sobre o holocausto e a solução final. A insensatez está tão absurda que não tive outra alternativa.
A grande questão que se levanta em torno dessa celeuma, quando a AMB faz uso de um direito de recorrer ao Supremo Tribunal Federal, para arguir a inconstitucionalidade de uma norma do CNJ é: a quem interessa o linchamento do Poder Judiciário, perante a cidadania brasileira, provocando-lhe o enfraquecimento moral, ao retirar-lhe a força, sustentada na credibilidade, como instituição de poder? A quem interessa? A grupos econômicos nacionais ou estrangeiros? Se há juízes ímprobos, mesmo corruptos, portanto bandidos, do mesmo modo, há jornalistas, há advogados, há empresários, há empresas, há professores, sem qualquer exceção. O monopólio da improbidade não é apenas dos magistrados. Quem não erra, atire a primeira pedra. Pior: já atiraram, e muitas, ainda que com as mãos sujas.
O Judiciário é atacado em todos os flancos, atingindo-se a pessoa do magistrado, enfraquecendo-a, e, em decorrência, a instituição. Há quanto tempo o juiz não tem reposição salarial? Alguns sofridos anos. Gostaria que o canto da ministra corregedora tivesse também essa preocupação, porque o achatamento do subsídio fere direitos fundamentais que estão consagrados na Constituição Federal. Se há reclame contra esse grave desrespeito, a resposta é sempre a mesma: lamúria corporativista. O juiz ganha bem e não precisa ter reajustamento de subsidio. Enquanto isso, qualquer empresário, de preparo intelectual abaixo do mediano, tem um ganho mensal de R$ 100.000,00, além de plano de saúde de alto padrão, denominado "personal doctor". Então dirão: - deixa de ser juiz e vá ser empresário. E tantos dirão: - não quero ser empresário, quero ser juiz e continuar sendo respeitado como magistrado. Por isso, não me senti enaltecido nem destratado pela ministra. Ela não fala por mim. Quando nasci, disseram: Aurelliano, vá ser gauche na vida. É o que estou tentando ser.
*aureliano_neto@zipmail.com.br
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