Aureliano Neto*
O Congresso Nacional, enfim, aprovou a denominada PEC (66/12) dos empregados domésticos. Para alguns, um avanço histórico, porquanto iguala os trabalhadores domésticos a quaisquer outros no tocante à fruição, de modo integral, dos direitos trabalhistas. Para outros, uma minoria, essa conquista representa um obstáculo - e na expressão de Paulo Guedes, O Globo, p. 13, "ingresso em um verdadeiro circo dos horrores" - na relação obreira entre o empregador (ainda rotulado em linguagem colonizadora de patrão ou patroa) e o empregado, já que extirpa aquela situação, que se perpetuou no tempo, de mera prestação de favor ou de amizade entre os contratantes dos serviços prestados pelo doméstico à pessoa física ou à família no âmbito residencial, sem finalidade lucrativa.
A grita, com a aprovação da PEC dos domésticos (e não apenas das domésticas, porquanto abrange uma variedade de trabalhadores, como babá, motorista particular, jardineiro, costureira, cozinheiros ou cozinheiras, vigia, governanta, cuidadores etc.) é, enfatizo, quase geral. Para se ter uma ideia das ideias a respeito dessa mudança na legislação, explico: sou um aficionado da leitura de cartas de leitores, representadas por pequenos recados enviados para os jornais. Extraí dessas mensagens algumas manifestações, ora favoráveis, ora não. Numa delas a missivista diz: "Fico feliz de ver como o governo está atendendo às reivindicações justas dos empregados domésticos. Mas quero saber como eu, patroa, serei caracterizada juridicamente, visto que minha casa, de repente, se transformou numa empresa." E conclui, indagando, com a veemência de quem manda na senzala: - Quem cuida dos direitos das patroas. Outro leitor, em resposta e em apoio ao avanço legislativo, contrapõe, de forma incisiva, que "a leitora e patroa (...) começou sua grita para que o 'status quo' da escravatura do empregado doméstico permaneça. Além disso, ela questiona qual é a sua caracterização jurídica, respondendo, ela mesma, o seguinte: patroa". Uma outra lamuria, em tom mais ostensivo, fazendo das suas palavras a da leitora acima, acrescentando que "as empregadas domésticas não trabalham aos sábados, não cumprem as oito horas diárias, o serviço tem ser ensinado (não são mão de obra especializada), almoçam e lancham na casa dos patrões sem cobrança alguma e faltam sem avisar". E pergunta: "Como ficará o empregador diante disso?" Todas essas questões estão a mexer com a cabeça das pessoas. O certo é que a relação trabalhista entre o empregador e o empregado doméstico vem, no curso do tempo, a conta gota, evoluindo, ora com o direito ao registro do contrato na carteira de trabalho, ora com o recolhimento previdenciário obrigatório, além da garantia da estabilidade para as gestantes, folgas nos feriados e repouso remunerado, vedados, ainda, os descontos de utilidades no salário (como alimentação e moradia). São avanços que, a partir da aprovação da PEC, se estendem para outros direitos, necessários para que se estabeleçam conquistas mais amplas nessa espécie de relação empregatícia.
Creuza Maria de Oliveira, presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, em texto publicado na Folha de São Paulo, em 28/03/2013, Opinião, p. A3, logo de início, na defesa dos interesses da categoria, afirma, de forma incisiva: "A origem do trabalho doméstico no Brasil é a escravidão." E sustenta: "A emenda garante à categoria a extensão de 16 direitos já assegurados a outros trabalhadores." Não tenho em mãos dados históricos, mas, ainda assim, não me assalta a dúvida de que o escravismo não tenha íntima relação com o trabalho doméstico. Foram poucas as conquistas que advieram após a vigência da Carta da República de 88. A emenda constitucional que estende os direitos ao trabalhador doméstico, sobretudo a jornada de 8 horas diárias e semanal de 44, reconhecendo, por conseguinte, o direito a horas extras, representa efetiva aplicação libertadora da cidadania, em favor de uma classe, até então, espoliada por um regime de semiescravidão. Deu-se, pois, a emancipação. É um novo tempo, que chegou com atraso, até porque relação de emprego não é um vínculo de favor, ou de mera concessão altruística. Ao contrário, deve estar firmada em parâmetros legais, que se alicercem no respeito à dignidade da pessoa humana. A PEC atende a esse postulado vetor em que se assenta a ordem jurídica constitucional.
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