Esse título que nomina esta coluna foi literalmente apropriado de um opúsculo do filósofo, medievalista, semiólogo e romancista Umberto Eco, publicado pela Record, sob o título de “O fascismo eterno”, no qual ele narra, de forma crítica, a sua experiência de jovem fascista italiano, vivida no reinado de Benito Mussolini. O texto, transformado em livro, decorreu de uma conferência em inglês, pronunciada num simpósio organizado pelos departamentos de italiano e de francês da Columbia University, em 25 de abril de 1995, para celebrar a libertação da Europa. Consoante esclarece o pensador italiano, “o texto foi pensado para um público de estudantes americanos”. Umberto Eco inicia referindo-se ao ano de 1942, quando tinha 10 anos de idade, ganhou o primeiro prêmio, num concurso com livre participação obrigatória para jovens fascistas italianos, “vale dizer, para todos os jovens italianos”. O tema, desenvolvido com virtuosismo retórico: “Devemos morrer pela glória de Mussolini e pelo destino imortal da Itália?” Sua resposta foi afirmativa. E acrescenta o autor de O nome da rosa: “Eu era um garoto esperto.” À época, esse esperto garoto fascista não tinha ideia do significado da palavra liberdade. Diz que, na Itália, toda a sua infância “havia sido marcada pelos grandes discursos históricos de Mussolini, cujos trechos mais significativos eram apreendidos na escola”. Um dia chegou a libertação. A partir daí, compreendeu o sentido da palavra liberdade.

Esclarece Umberto Eco que o regime fascista de Mussolini não tinha qualquer ideologia, mas apenas uma retórica. Porém, com essa retórica, foi a primeira ditadura de direita que dominou um país europeu, constituindo-se num totalitarismo difuso, confuso e impreciso. O fascismo nasceu proclamando uma nova ordem transformadora, porém era financiado pelos proprietários rurais mais conservadores, que aguardavam em favor dos seus interesses uma contrarrevolução. Manteve Gramsci na prisão até a sua morte. Retirou a liberdade de imprensa e confinou os políticos dissidentes. 
Algumas das suas características: o culto à tradição. Como consequência, não pode existir avanço do saber. “A verdade já foi anunciada de uma vez por todas, e só podemos continuar a interpretar sua obscura mensagem”, acentua o grande semiólogo italiano. Tradicionalismo, implicando recusa da modernidade. Suspeita em relação ao mundo intelectual, com a síntese de que “as universidades são um ninho de comunistas”. E ainda o apelo às classes médias frustradas, desvalorizadas por alguma crise econômica ou política e assustadas pelos grupos sociais subalternos. O fascismo encontra nessa nova maioria o seu auditório de fanáticos para impor ideias retrógradas como nacionalismo, amor à pátria, revestidos esses sentimentos num discurso de ódio. Há, em decorrência disso, o surgimento de um elitismo dominante, aristocrático e militarista.
Por acaso, lendo Francisco Razzo (A imaginação totalitária – os perigos da politica como esperança), nas páginas 115, encontrei esta passagem que, de modo sucinto, explica essas preocupações despertadas em Umberto Eco: “O totalitarismo constitui uma possibilidade constante da construção de formas e ações políticas derivadas, em última instância, de concepções filosóficas equivocadas. Nenhum regime totalitário emergiu na história sem a poderosa força do consentimento servil das massas. No entanto, as massas foram seduzidas pela retórica ideológica dos totalitaristas. Eles são bons nisso.”
A questão básica e discutível não é afirmar se fulano ou sicrano é ou não fascista. Não é bem isso. Mas, se se entender que o regime de governo, sob o fundamento de zelar por cada um nós, subordina o ato individual aos ditames autoritários do Estado, há aí um modelo obsessivo autoritário, com viés fascista.
Madeleine Albright, no best-seller Fascismo – um alerta, Editora Crítica, p. 17, faz esta preocupante advertência: “Se o fascismo envolve menos políticas específicas e mais a descoberta de um caminho para o poder, o que dizer de suas táticas de liderança? Meus alunos observaram como os caciques fascistas de que mais nos recordamos eram carismáticos. Por um método ou outro, cada um estabelecia uma ligação emocional com a massa e, como a figura central de um culto, fazia emergir sentimentos arraigados e muitas vezes repulsivos. É assim que os tentáculos do fascismo se espalham por dentro de uma democracia. Enquanto uma monarquia ou uma ditadura militar são impostas à sociedade de cima para baixo, a energia do fascismo é alimentada por homens e mulheres abalados por uma guerra perdida, um emprego perdido, uma lembrança de humilhação ou a sensação de que seu país vai de mal a pior.” Albright, com vastíssima experiência no magistério e diplomacia, alerta sobre a origem de um governo fascista. E deve-se atentar para o fato de que o fascismo não tem ideologia, mas apenas retórica enganadora, destituída de qualquer sentido transformador. Ao contrário, eminentemente conservador.
• Membro da AML e AIL.