O art. 14 da Constituição Federal de 1988, a nossa carta política de direitos, dispõe que "a soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos". Por seu turno, também garante a liberdade de crença e de religião, ao estabelecer no inciso VI do art. 5.º, no Capítulo dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos, que "é inviolável a liberdade de consciência e de crença". O preâmbulo da Constituição brasileiro afirma que fora a mesma promulgada, "sob a proteção de Deus". Ainda assim, o Estado brasileiro é regido pelo princípio da laicidade, uma vez que o preâmbulo não tem força normativa, razão pela qual não há que acreditar-se que aqueles que não creem em Deus não estejam abrangidos pelas garantias constitucionais. Como preleciona George Marmelstein, na sua obra Curso de direitos fundamentais, 7.ª ed., p. 109-110, "na verdade a Constituição protege qualquer credo, inclusive aqueles que não creem em uma força divina. (...) A liberdade de crença e de religião diz respeito à autonomia para escolha dos credos que cada indivíduo deseje seguir." Historicamente, desde a primeira Constituição republicana, o Brasil passou a ser um Estado laico, não adotando nenhuma religião específica e garantindo o exercício dos vários cultos confessionais, sem qualquer discriminação.
Religião, crença, religiosidade e Estado, por força das normas constitucionais, não se devem misturar, já que a religião - não como expressão individual de crença, mas como instituição -, por ter característica eminentemente conservadora, pode servir de legitimação de um governo autoritário, que cerceie direitos e venha tolher a liberdade. Por outro lado, o Estado, ao se beneficiar de determinada corrente religiosa, pode, fazendo uso do seu poder de força, sufocar a voz de grupos minoritários, incluindo aqueles que não professam qualquer crença.
As leis eleitorais, referentes às eleições de 2018, aos partidos políticos, ao Código Eleitoral e às inelegibilidades, têm cuidado de normatizar o processo eleitoral para reduzir a influência do poder econômico e almejar a garantia de condições de igualdade para todos os postulantes a cargos eletivos. Esse escopo de igualização formal e substancial não se atém apenas ao campo do uso abusivo das forças econômicas. Vai mais além. Daí a regulação feita pelo Supremo Tribunal Federal no que concerne ao financiamento de campanha política por empresas. Há, por isso mesmo, um elenco de condutas ilícitas previstas na legislação, objetivando punir quem as pratique, com extensão ao candidato.
As Igrejas, como instituição, não têm função ou missão política, no sentido de disputa eleitoral. A sua precípua missão é ministrar ensinamentos cristãos, sob a ética do cristianismo. Por exemplo, o perdão que difere do ódio, até mesmo perdoar o inimigo, a solidariedade, o respeito ao outro, o amor a Deus para aqueles que creem e ao próximo, seguindo o grande exemplo que Cristo deixou na parábola do Bom Samaritano. Não é missão da Igreja, quaisquer delas, fazer pregação de índole política, indicando aos seus fiéis, de forma impositiva ou não, o candidato que deve ser sufragado na urna. Ao assim proceder, nivela-se ao partido político, haja vista que uma das condições de elegibilidade, prevista na Constituição Federal no $ 3.°, inc. V, do art. 14, é ter o candidato filiação partidária, o que quer dizer que não existe a obrigatoriedade do postulante ao cargo público ter vinculação a alguma crença religiosa. Desse modo, na medida em que a Igreja, como instituição, prega do púlpito o voto a ser dado a determinado candidato, estará estabelecendo uma evidente desigualdade na disputa eleitoral, em detrimento de outros postulantes. Mistura-se, assim, crença, religião e religiosidade com o Estado, quebrando o princípio norteador da laicidade. E essa força de desigualização é tão poderosa como é o abuso do poder econômico. Isso porque o candidato eleito tem claro compromisso com o ideário desse segmento religioso, em detrimento de outras crenças ou não crenças.
A laicidade do Estado brasileiro, em vista do processo eleitoral, como decorrência de uma garantia constitucional, deve ser preservada. Pois bem. Não sou eu quem o diz. Faço referência a Alberto Carlos Almeida, na sua obra O voto do brasileiro, Record, 2018, p. 24, onde afirma: "A socialização política é diferente em função da renda, do local de moradia, da inserção no mercado de trabalho e, muitas vezes, da religião e religiosidade. Por exemplo, as pessoas mais religiosas tendem a ser mais conservadoras do que pessoas que nunca vão à igreja. Além disso, cada grupo social tem seus interesses econômicos específicos."
É uma verdade. Eu, por exemplo, tenho religião e religiosidade. Não preciso propagar isso pra ninguém. Mas não confundo alhos com bugalhos. A minha crença em Deus e em Cristo marcou a minha vida. Porém, entendo que até o ateu, desde que ele ame ao próximo, e siga, embora sem o saber, os caminhos cristãos, pode ser melhor avaliado do que aquele orador ou rezador, que traz nas suas entranhas o ódio. Este é o fariseu que Cristo tanto se referia nas várias passagens bíblicas.
Concluo: as pessoas que creem e ainda têm massa cefálica ainda em bom estado, devem no momento do voto seguir a sua consciência. Afinal, na concepção de Noam Chomsky, na sua brilhante obra Mídia, propaganda política e manipulação, Martins Fontes, 2013, p. 21, "esta é uma atitude inteligente e vantajosa", porque, exercendo a nossa livre escolha, escapa-se de integrar o que Chomsky, com razão, denomina de "rebanho desorientado".
* Membro da AML e AIL
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