A maior vítima do crime é a sociedade. Conclusão essa que, em si mesma, não traz nada de novo, já que de obviedade palmar. Refere o fato social, considerado ilícito, a ter reflexo na fenomenologia jurídica, em razão da necessidade de ser erradicado ou amenizado pelos instrumentos de prevenção ou repressão, sociais e legais. O delito, a mais grave transgressão da ordem jurídica, quer se queira ou não, faz parte da vida social. Durkheim, em Las reglas del método sociológico, proclama o entendimento de que "o delito não só é um fenômeno social normal, como também cumpre uma função importante, qual seja, a de manter aberto o canal de transformações de que a sociedade precisa". Trata-se de uma premissa, que não é uma verdade absoluta. Implica afirmar que a criminalidade é um fenômeno ínsito no âmago da sociedade, que se anormaliza nas várias formas de violência que se apresentam no convívio social. Assim, por inexistir sociedade perfeita, imune ao crime, serve esse malefício social de causa para que se busquem melhorias nas relações sociais, na medida em que as instituições procuram se atualizar e fortalecer o combate à criminalidade, aperfeiçoando as várias instâncias de convivência social, regulando-as.

Outorgou-se ao Estado a função jurisdicional de solucionar os conflitos, punindo ou absolvendo. Nisso está a essência do julgar. Punir ou não punir é uma decorrência da atividade estatal, que, examinando as provas do alegado, julgará a ação promovida contra o réu, acatando-a ou não. Em contrapartida, milita, como garantia do acusado, o princípio constitucional da presunção do estado de inocência, consagrado em qualquer carta republicana, ainda que de viés totalitário. E isso impõe dizer-se que a inocência não precisa ser demonstrada por quem está sendo processado. No foro de uma sociedade civilizada, onde prevalece o devido processo legal, não há responsabilidade penal prévia. A ação se instaura, o processo é deflagrado, com previsão procedimental nos códigos, que ditam ritos sagrados que negam a figura repugnante do juízo exceção e do julgamento antecipado, assegurando-se o exercício amplo da defesa, contradita das provas e a total isenção de quem julga. Se assim não for, passar-se-ia a ter a torpe figura do justiçamento, à moda primitiva (Barrabás ou Jesus?, perguntava Pilatos), que rememora a fase negra dos ordálios, em que o condenado sequer tinha ciência de quais os motivos que o levaram a receber tão grave punição. Dumas (pai) tão bem retratou essa espécie de justiça em O Conde de Monte Cristo, quando uma reles e infundada acusação se transformou numa cruel pena carcerária, que motivou a vingança.
O Direito Penal do passado, da vingança privada ou de sangue, se encontra sepultado. Ou pelo menos assim se presume e se deseja. Houve época, felizmente apagada na memória do tempo, em que contra o infrator (ou ainda que suposto) havia uma reação grupal, onde se buscava, a qualquer preço, a sua punição, bastando uma mera acusação informal. As normas repressoras se confundiam com o sagrado. A conduta representava uma ofensa ao deus, um totem erigido pela agrupamento, que, ofendido, exigia uma reação contra o ato do indigitado infrator. Era permitida a vingança, instrumento de defesa exteriorizado na autotutela. Nessa origem, deduz-se enraizado culturalmente a prévia consciência vingativa das pessoas. O talião foi um grande avanço: dente por dente, olho por olho. Estabeleceu-se, assim, o cânone da proporcionalidade entre o delito e a pena, fixando-a na pessoa do acusado, não mais alcançando o grupo social de que fazia parte.
Avançou-se. A pena, a ser aplicada ao autor do crime, não pode ter índole meramente retributiva, a expressar punição vingativa da sociedade. Não há dúvida que a pena intimida e também tem essa natureza, mas deve objetivar, acima de tudo, a ressocialização do preso. O condenado não é um animal encarcerado, sem direitos. Ao contrário, tem direitos que o Estado deve respeitar. E o Estado brasileiro comprometeu-se, no concerto das nações, de não permitir penas cruéis e degradantes. Não basta, como diz o relator especial sobre tortura da ONU, Juan Ernesto Méndez, colocar a pessoa presa e fechar a porta. Essa medida simplista não condiz execução da pena. Impõe-se a implementação de políticas no sentido de recuperar o encarcerado, preparando-o para o seu retorno ao convívio social. Nosso sistema penal não prevê prisão perpétua e de morte. Méndez adverte, em entrevista que deu ao Consultor Jurídico, em 12 de janeiro de 2014: "Temos que ter uma bateria de soluções. A experiência demonstra que, quanto mais se cria presídios, mais se enche as prisões. É preciso criar medidas de regeneração, baixar as penas, melhorar o acesso à liberdade condicional. As soluções não são simples, mas têm que atacar as razões a fundo, como pessoas bem treinadas nas penitenciárias, com normas mais claras de disciplinas, de forma concreta. E aprofundar o estudo de quem não deveria estar preso, porque não é violento, já cumpriu parte da pena ou nunca foi condenado."
Ressocializar o preso é reduzir a reincidência, um dos graves problemas do sistema penal brasileiro, e que alcança boa parte de outros países, como Estados Unidos e Reino Unido, respectivamente, com 60% e 50% de reiteração delitiva. A mudança exige trabalho, investimento e, sobretudo, profunda revolução cultural. Na Noruega, o sistema assentado na reabilitação obrigatória. O detento, forçadamente, participa do processo. Só é libertado se se reeducar. Ora, o preso é, antes de tudo, um ser humano. Não se deve perder a esperança na sua recuperação. Se isso ocorrer, não há presídios, por mais que sejam construídos no Maranhão, ou em todos os Estados brasileiros, que resolvam o problema da criminalidade. O jurista Luiz Flávio Gomes, em recente estudo que publicou na Revista Consulex (n.º 405, 1.º de dez. de 2013), Menos Escolas, Mais Presídios no Brasil, pp. 42/45: é preciso reduzir as desigualdades, construindo-se mais escolas e menos presídios. Para concluir, o que vou dizer desagrada: é preciso que se trate o preso não apenas como um animal enjaulado, mas como um ser humano, que padece de uma doença social, e necessita de um tratamento adequado e obrigatório que o recupere para o convívio social. De outro modo, è jogar dinheiro fora, como se vem costumeiramente fazendo.