Aureliano Neto*

Não sei por que do circo a gente quase sempre só pensa no palhaço. O espetáculo como um todo esvai-se no tempo de nossas lembranças. Talvez porque nos encha de alegria a sua figura bonachona, rosto pintado, um quê de tristeza de ter que fazer rir, roupa colorida, voz rouca, a espargir um sentimento paradoxalmente sofrido. Por mais moderno que seja, circo sem palhaço é de uma tristeza mórbida. Fui daqueles que acompanhei o palhaço nas suas andanças para divulgar o espetáculo. O refrão era cantado ao megafone e repetido: - Hoje tem espetáculo? - Tem sim senhor! - Arrocha, negrada! - Ei! - Oito horas da noite. - Sim senhor! - Arrocha negrada! - Ei! E o palhaço quem? - É ladrão de mulher. E por aí se ia de rua em rua, das mais estreitas às mais largas, participando na divulgação do circo que chegara. Não havia animais, nem globo da morte. No máximo, um macaco adestrado, ou uma macaca mais atrevida. Nem tinha sequer papagaio. Os circos se resumiam ao palhaço, aos trapezistas, entre esses uma jovem com dotes físicos atraentes, para receber os assovios convidativos da turma do poleiro, todas as vezes que dava o ar de sua graça e, acrobaticamente, se jogava no ar, de um trapézio para o outro. Ah, ia esquecendo, havia o mágico, que tirava objetos, os mais estranhos, de uma cartola tipo Abraham Lincoln, ou até mesmo algum coelho desajeitado. Ah, isso mesmo, e o equilibrista, que, aos poucos, despia-se das peças da roupa, ao som de um mambo, tocado pela orquestra que ficava na parte de cima, bem ao lado do palco, alguns metros do picadeiro. E o maestro no comando repetia: - Um, dois, três... mambo! Com a bateria fazendo a providencial marcação, dando ritmo ao bambolear do artista mambembe do equilíbrio. A gente inquieto, preocupado para que nada acontecesse com o equilibrista, que, pouco a pouco, desfazia-se de suas vestes, ora no arame, ora sobre uma tábua apoiada num rolo de madeira, que escorria de um lado para outro. Era assim o circo, da rua para o picadeiro, na sua sublime missão de dar prazer.
Chaplin encarnou bem todos os palhaços dos circos do mundo inteiro. Fez-nos rir e chorar. Numa agradável dubiedade. Aliás, deve ser dito, com veemência da eterna arte que o imortalizou, ainda nos faz rir e chorar. Carlitos é eterno, sempre eterno. E é Chaplin quem nos dá a receita da eternidade: - Creio no riso e nas lágrimas como antídotos contra o ódio e o terror. Não há necessidade de outro discurso. Basta crer nessa verdade para transformar o mundo, retirando-lhe a crueldade do sofrer. Chaplin, o grande palhaço de todos os tempos, fez muito para disso.
O mundo está precisando de Chaplin, para tirá-lo da mesmice, fazê-lo mais alegre ou, quem sabe, menos triste. Mas uma tristeza com alegria de que todos se sintam felizes.
O mundo está a carecer da alegria do circo. Do palhaço a transitar pela rua, clamando pelo espetáculo de hoje, às oito horas da noite, para que as pessoas, avisadas que o circo chegou, saiam da solidão doméstica, do convívio solitário do celular e da internet, e venham ver a figura do palhaço, fazendo acrobacias, ao jogar o seu corpo envelhecido na terra bruta do chão, e a suplicar a nossa presença para viver a felicidade coletiva do picadeiro.
O circo chegou e está ali na Praça de Fátima, ou quem sabe na Praça Brasil, ou mesmo na Praça da Bíblia. O menino me disse que estava numa de nossas praças. Com luzes coloridas e emitindo para todos nós o convite de ir até lá contemplar o seu espetáculo. Dizem que tem globo da morte. Mas, para aqueles que não gostam dessas peripécias alucinantes, estão a propagar que tem um leão, porém muito manso, de uma mansidão bíblica. Não faz mal a ninguém. Apenas mostra a sua juba decrépita, amarfanhada. Outros estão a dizer que tem um elefante, que levanta a tromba e as patas dianteiras, sustentando-se apenas nas traseiras e ainda se requebra sob a batida de uma música indiana. É um elefante intelectualizado, pois sabe das coisas, e tem sido uma atração das nossas crianças que só veem essa rara espécie nas televisões. Eis o momento, brada o palhaço, a convidar com insistência para o espetáculo, de vermos o bicho-rei ao vivo. E acentua: - Ainda tem dentes muito brancos. Dizem também que tem uma trapezista muito bonita, parece miss dos anos 60, que salta como ninguém, vestida numa tanga tão exígua que desperta a curiosidade de ir ver para crer. Ao seu lado, um trapezista que saiu de O Maior Espetáculo da Terra, aquele filme que teve em seu elenco tanto gente famosa, como Charlton Heston e James Stewart. Não é bom perder essas atrações circenses.
É o circo na praça, a nos fazer esquecer do tão vilipendiado pibinho nacional, das mortes de São Paulo, do bullying, da seca ou das chuvas torrenciais, do fim do mundo, que alguns afirmam que está tão perto, bem agora neste mês de dezembro. Mas também a nos alertar que, ainda na tragédia, o riso ainda é o santo remédio, mesmo para os descrestes e sisudos. Por isso, o espetáculo de agora tira-nos da tristeza do amanhã. Basta que se aceite o convite alegre do palhaço, a nos chamar para viver o seu dia - dia 10 de dezembro, o Dia do Palhaço. A todos os palhaços, entre os quais todos estamos incluídos, um forte abraço. Que o riso renove a nossa vida após cada gargalhada.

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