Jesus, ao aproximar-se de Jericó, deparou-se com um cego sentado à beira do caminho. A multidão seguia Jesus causando grande confusão, pois cada um queria tocar no mestre para dele receber as suas bênçãos e curas dos seus males. O cego perguntou o que estava acontecendo para ter todo aquele burburinho. Um dos passantes respondeu: - É Jesus de Nazaré. O cego, ao ouvir isso, não se conteve e clamou; - Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim! Foi o cego repreendido rudemente por aqueles que se encontravam na proximidade de Jesus. Mas o cego não aceitou a admoestação e continuou a clamar: - Filho de Davi, tem piedade de mim! Jesus ouviu a sua súplica. Parou a sua caminhada e mandou que o trouxessem para junto de si e perguntou: - Que queres que te faça? E o cego: - Senhor, que eu veja. A resposta de Jesus foi de uma simplicidade misericordiosa: _ Vê. Tua fé de salvou! A luz chegou aos seus olhos imediatamente, e o cego seguiu Jesus glorificando a Deus.
A lembrança dessa passagem bíblica me veio em razão do mundo de cegueira em que nós estamos vivendo. Há cegos de toda natureza. Os que são cegos, cegos mesmos. Não enxergam o mundo físico. Sentem, apenas. E há os cegos que são cegos por meros interesses, que veem e fingem não ver. Ou são portadores de algum problema mental que turva a sua visão. Em boa parte, são cegos por conveniência. Diferentemente do cego de Jericó, há muitos cegos que veem, mas não querem ver. Há cegos que não viram as atrocidades do nazismo, nem do fascismo, ou do stalinismo, ou as besteiras perpetradas por Napoleão Bonaparte, que, com a maluquice de ser imperador, e o foi, com todos os poderes em suas mãos, conseguiu, nas suas loucas e sedentas conquistas, destruir a França, uma nação que vinha de uma experiência histórico-revolucionária, digladiando-se por direitos inalienáveis como liberdade e igualdade. Mas a cegueira permitiu que figuras desse naipe agredissem a dignidade da pessoa humana. No Brasil, sanha da cegueira de conveniência só caminha numa direção. E aponta com o dedo sujo da sua ignorância.
Há um pensador ou pensadora, que cunhou o seguinte axioma, que tem sido repetido a cântaros. Vejamos: "O pior cego é aquele que não quer ver, ouvir, nem acreditar. O pior cego é aquele que se faz de surdo. Aliás, o pior cego não é cego, é burro!" Embora a verdade seja um conceito aberto. Por exemplo, o filósofo Nietzsche, na obra Sobre a paixão da verdade, de 1872, já afirmava que a verdade é uma metáfora, extremamente bem sucedida. Sendo metáfora ou não, a busca da verdade é uma das premissas na solução do conflito no curso de um processo, que terá uma decisão pelo encarregado do exame dos fatos. Este é um ônus que o julgador não pode olvidar, melhor dizendo, não pode ficar momentaneamente cego, para dar relevância aos seus interesses ideológicos. Sobre essa exigência, a Constituição Federal, ainda vigente, é clara, conforme estabelece o art. 93, Inciso IX. A nossa Carta Política não admite meras cópias e colagens, que nada têm a ver com fundamentos, decorrentes de um exame exauriente de todos os elementos processuais.
Falo, como não poderia ser de outra forma, da juíza da 13ª Vara Federal de Curitiba, que foi flagrada ao fazer cópia e colar, para, sem fundamentos, condenar acusados, ao seu livre arbítrio. É a cegueira funcional, conjugada com grave infringência dos princípios da ética da responsabilidade. Caso em que o CNJ deveria abrir um procedimento. Ou ela mesma, com algum pudor, deveria, sem maiores delongas, pedir exoneração do cargo e, quem sabe, montar um empreendimento de produção de cópias de decisões, para, de algum modo, ajudar os seus ex-colegas de profissão. No passado, Yara Müller fez sucesso. Era uma das obras mais consultadas.
Um professor, Gilberto Maringoni, um tanto zangado, perdeu as estribeiras e, em seu Faceboock, saiu em defesa da juíza de Curitiba. Primeiramente, ele afirma que é injusto classificar a citada meritíssima como única praticante do recorta & cola. Em seguida, diz que a maior parte da justiça é adepta do recorte & cola. Afirma, ainda, o nosso professor, que o lombrosionismo moderno tem seus alvos atávicos, os pobres, os pretos e os periféricos. Por último, pede desculpa à nossa juíza copista-coladora: "Desculpe, Dra. (...), a senhora não tem culpa alguma pelo que fez. A sra. é a cara escarrada do topo de nossa pirâmide social. A sra. é Hardt, eles são Silva. A sra. é moldada num recorte & cola de quem manda." Não sei se essa é a verdade, ou apenas uma metáfora. Bem. Sendo uma ou outra, a gravíssima conclusão é a de que a situação está ficando de mal a pior. Só Jesus, o nosso Divino Mestre, vindo até nós, para resolver esse grave problema de cegueira. Ainda assim, uma cegueira que pode resistir à força do milagre: a cegueira da justiça. Muitos Pilatos andam por aí, lavando as mãos, conquanto saibam que ao justo a justiça não poderia ser negada, nem adiada. Mas concedida, imposta, a todos aqueles que têm os seus direitos vilipendiados, sobretudo, pela cegueira de quem julga.
* Membro da AML e AIL.
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