Os beneficiários do programa, por motivos óbvios, o amam; os mais aquinhoados e de bem com vida odeiam-no, mais do que o diabo da cruz. Esbravejam os mais insanos insultos, mesmo sem ter conhecimento da sua finalidade e dos seus efeitos sociais inclusivos. Um desses inimigos do bolsa família é uma figura do mundo midiático, cujo nome é do conhecimento da alta roda de divertimentos fúteis: Maitê Proença. Dizem as más línguas que se trata de uma ex-atriz (se ainda é, não sei, e aviso: nem quero saber), que atualmente –e desconheço o magnânimo motivo –, recebe como pensionária do governo de São Paulo a bagatela de 13 mil reais por mês. Se se trata de bolsa família diferenciado, não tive a curiosidade de averiguar, nem vou fazê-lo. Mas, a nossa indigitada Proença, revoltada com o bolsa família (não com os 13 mil que recebe) declarou do alto da sua indignação que “o bolsa família é um incentivo à vagabundagem”. E disse mais: “Viajei recentemente por estados do Nordeste (evidente às custas do seu bolsa família, os 13 milzinhos reais) em que o programa é fundamental no sustento de muita gente. Por filho, recebem 80 reais. (Realmente uma quantia extravagante, comparado com o que a nossa indignada Maitê recebe do governo de São Paulo.) Se uma família tem quatro filhos, o montante chega a 360. A cada novo filho o governo pinga mais 80 na conta da família, que aproveita pra trocar geladeira, celular, eletrodomésticos. E o número de encostados só faz aumentar, trabalhar pra quê?” Pois é, enquanto isso a nossa Proença da pensão de 13 mil reais paga pelo governo paulista, vai viajando por aí. Trabalhar que é bom pra quê?!
Apesar de todo esse ódio preconceituoso ao bolsa família, expelido pela classe mais abastada e (infelizmente recorro ao nosso famigerado Fernando Henrique Cardoso, menos informada), a revista Sociologia, n.º 50, editado pela Editora Escala, traz uma matéria de capa em que trata dos 10 anos de existência desse programa. O estudo publicado é de seriedade científica, diferentemente de manifestações planfetárias odiosas, como a da ex-atriz. O texto da revista Sociologia traz como introdução: “O Bolsa Família completa uma década de existência e, apesar das críticas que recebeu ao longo desses dez anos – é inegável que a iniciativa, considerada por muitos o maior programa de transferência de renda do mundo, contempla cerca de 50 milhões de pessoas, divididas em quase 14 milhões de famílias, que vivem em condições de absoluta miséria e degradação.” A socióloga Walquíria Domingues Leão Reis, professora titular da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), juntamente com o filósofo Alessandro Pinzani, professor de Filosofia Política da Universidade de Santa Catarina, desenvolveram um projeto de estudo com o objetivo de analisar quais os impactos do programa. Algumas conclusões, quer a turma do andar de cima queira ou não: “Trata-se do maior programa de combate à fome do mundo, inclusive, acabou de ganhar o Award for OutstandingAchievement in Social Security, considerado o prêmio Nobel da Paz, concedido pela Associação Internacional de Seguridade Social, com sede na Suíça.” Na opinião desses pesquisadores, “trata-se de um regaste da humanidade”, portanto muito longe do que afirma a nossa frívola Proença que seja um incentivo à vagabundagem. Aliás, pra falar de vagabundagem só mesmo quem entende dessa arte do ócio, sob o beneplácito de 13 mil reais mensais.
A socióloga Walquíria e o professor Pinzani concluíram que o programa enfraqueceu o coronelismo, tão comum e antigo nas regiões mais pobres do País, fazendo com que a população mais carente não seja presa fácil dessa elite. Tem finalidade libertadora. Condenam, ainda, os argumentos preconceituosos de que a população pobre se acomode e não queira mais trabalhar, ou de funcionar como um curral político. O New Deal, de Roosevelt, de 1933 a 1937, aplicado na grande depressão norte-americana, tem alguma semelhança na medida em que tinha como fim a recuperação de um país destroçado. Em resumo, acentuam esses estudiosos: o programa tem um viés positivo de libertação do pobre da miséria, surtindo o efeito desejado. E acentuam: a mulher foi a mais beneficiada, pois deixou de ser mera escrava doméstica, preferindo ficar no lar educando os filhos a se submeter a empregos onde não é respeitada como ser humano, recebendo salários indignos, já que aquém do mínimo, sem usufruir dos demais direitos. Infere a socióloga: “Nas regiões mais pobres da Nordeste, a mulher já percebeu que não quer mais ser empregada doméstica para ganhar menos do que recebe no Bolsa Família. Está começando mudar a ideia de que as pessoas precisam se submeter a trabalhos sem carteira e em condições salariais péssimas.” Esse é um dos fundamentais efeitos do bolsa família: conter em si a força libertadora da opressão da elite exploradora desse trabalho marginal, assemelhado ao escravismo consentido. O ódio destilado por essa ex-atriz, que reverbera o pensamento conservador, segue o exemplo da ex-rica Danuza Leão, a mais odienta voz a insurgir-se contra os direitos conquistados pela doméstica. Meus caros leitores, a luta é duríssima. Mas com razão o empresário Antônio Ermírio de Moraes, infelizmente falecido: “A elite brasileiro é egoísta demais, imediatista, pensa só nela, o resto que continue como resto.” Não nos enganemos.