Aureliano Neto*

Estavam numa roda de conversa. Não de conversa-fiada. Era conversa séria. Na verdade, trocavam ideias. Não bem ideias, ideias, no sentido de conter algo substancioso, que exigisse reflexão mais profunda. Circulavam, entre um rápido silêncio, meras impressões pessoais ou da vida amorosa e desamorosa. Uma dizia, sem muita ênfase: - Dávamo-nos muito bem. O tempo foi passando e, um dia, éramos apenas grandes amigos. O amor diluiu-se no excesso de amizade. Meu primeiro marido era de uma dedicação ímpar. Mas, amigo, amigo, negócios à parte, ou melhor, amores à parte. E concluímos que tudo estava acabado entre nós, segundo o lamento lamurioso da canção popular. A outra, fazendo referência ao seu atual companheiro, acrescentava: - O amor se repete. Já estou na quinta experiência conjugal. Amei-os a todos, mas, ao que parece, encontrei no Fran, o atual, o amor soberano, mais consistente. Chego a etapa final de tantos relacionamentos. Felizmente - ressaltou - não tive que ir ao altar, com todas aquelas firulas de reciprocidade de sins e, ainda, sob o juramento de que o homem não separe o que Deus uniu. Ficamos aqui mesmo pela terra. Tudo se deu sem grandes pompas. O final de um amor coincidia com o início de um novo. E fui levando, sem grandes atropelos, a não ser, num ou noutro, na divisão do patrimônio amealhado. Enfim, vou levando. Não mato no peito como o Fux, mas levo no peito.
- Bete, queira Deus, é minha quinta e última mulher, afirmava o de fisionomia mais velha, com algumas cãs. Sou daqueles que dedica fidelidade absoluta. E acentuou: - Sem nenhuma concessão! Se amo, amo; se não amo, desamo. Essa é a minha infalível regra. E, por cima, exijo reciprocidade. Caso-me sempre. Sem essa de estar juntos. Tudo no papel passado. Depois, se não der certo, o caminho mais fácil é o divórcio. O regime de bens sempre é o de separação. Sobre isso, já tenho prática. Cada um com o seu. Amo Bete, com a mesma fidelidade com que amei as anteriores. No meu prático entendimento, casamento é como a vida, não tem mistério; ou o mistério é unicamente viver e ser feliz. Ninguém, mas ninguém mesmo, casa para ser infeliz. E enfatizou: - O homem, em toda a sua vida, está buscando a felicidade; e o casamento faz parte dessa incessante busca.
- E o amor? - perguntou uma das integrantes daquela rodada de conversa, a qual se encontrava absorta, olhando para o lado da janela, onde se encontrava um vistoso jarro de margaridas. E repetiu, com a voz modorrenta: - E o amor? Pairou um repentino silêncio, logo quebrado por um sisudo aparteante, que do alto de sua atual companheira, já que vinha de três insucessos amorosos - na verdade, impossibilidades amorosas - ratificou o que já fora dito: - O amor se repete. E disse mais, dessa vez enfático: - O amor e desamor se repetem. Para, em seguida, acrescentar, fazendo referência a um ditado popular: - Vão os amores, ficam as dores. Assim é a vida - soltou esta última acaciana verdade.
Alguém que estava ao lado, que não participava do colóquio, ficou a pensar: - É verdade. O número de divórcio está em crescimento. A estatística recente do IBGE aponta uma acentuada elevação de 45,6% em relação ao ano de 2010, chegando-se ao número redondo de divórcios de 351.153. Há quem diga, esboçando um certo ar de júbilo libertino, que há mais casais  se divorciando do que casando. São os novos tempos, em que pese o fato, ainda notório, de o casamento não ter perdido a preferência popular. Continua o velho casamento, realizado com todas as pombas, com valsa de entrada e tudo, sendo cogitado pela maioria. Todavia, concorrendo com essa manifesta maioria, vem o divórcio, atualmente sem grandes formalidades. Basta querer, e pronto. Prevalece a máxima do cancioneiro: Tudo acabado entre nós, já não há mais nada. Enfim, sem maiores delongas, o fim.
O velho Braga, nosso conhecido cronista, aqui citado e reverenciado, tem uma bela crônica que trata do amor e desamor. Diz-nos que "é tanta separação que um conhecido meu, que foi outro dia a um casamento grã-fino, me disse que, na hora de cumprimentar a noiva, teve a vontade idiota de lhe desejar felicidades 'pelo seu primeiro casamento'." De Braga para cá casamentos e separações vêm se sucedendo como fogos de artifícios em virada de ano. Mas sem tanta novidade. A novidade é casamento sem separação. Ichi!, como diz o nosso caboclo, é coisa de arrepiar. Quando alguém ousa dizer: - Tenho dez - nem chegue a vinte - anos de casado. Há, como diz Nelson Rodrigues, um esgar de incertezas: - Não é possível?, é a pergunta fatídica, que celebra a ignorância da convivência longeva.
As coisas estão mais ou menos nesse patamar. Por esses dias, a mulher de um dos nossos ricaços - e ponha ricaço nisso! - declarou que não era de se jogar. Que tudo foi fruto de amor à primeira vista. Bem love story. "Aí ele foi fofo." - Mandou um colar com uns 12, 15 brilhantes. Eu tinha - diz o amor à primeira vista - que contar um brilhante por dia... Passados esses dias, eu tinha que voltar... Vejam bem, indago, não foi um fofo o tal do amor à primeira vista, com colar de brilhantes e tudo? Assim, na primeira oportunidade, só pode dar separação à primeira vista, com mais outro colar de brilhantes, para a fofura ficar contando as pedras preciosas enquanto não surge outro amor à primeira vista, em que pese Fernando Pessoa afirmar que amar é a eterna inocência. Ainda assim, os velhos românticos mantêm-se irredutíveis: o amor não acaba, apenas se repete.

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