Afirmara ela com a veemência de quem nunca deixou de amar. Um só minuto, nem um só dia. Conversávamos. Uma conversa longa em que mais ouvia do que falava. A dor da saudade transcendia em cada frase. Passados mais de vinte anos, o amor ao falecido marido não acabara. Atiçava a sua consciência com a saudade da ausência. A longa ausência, sem a perspectiva do retorno. Acentuava o seu sentimento de solidão. Não estava infeliz. Apenas continuava a amar. Daí ter exclamado com inteira convicção: - O amor não acaba! Está vivo dentro de mim, imorrível.

Mas... A questão não deixa de ser polêmica. Já se disse eterno, sem qualquer limitação dessa perenidade. Também se afirmou que é eterno enquanto dure. Ou seja: tem-se relativizado o amor: é eterno enquanto é possível amar-se. Depois, volatiliza-se. Existe, mas pode não existir. Ou findou-se. Então, trasveste-se de um sentimento fugidio. Não mais morrer de amor, ou morrer de amar.
Em certo momento, recém-casado, em conversa com uma amiga, falava-lhe da eternidade do amor. E afirmava-lhe que amar a mulher-amada era sublime e contribuía para superar os conflitos (normais, porquanto próprios de quem estava iniciando), e possibilitava a compreensão que sempre culminava no perdão dos erros, ou equívocos. Em resposta, ela sustentava, com a veemência de sua vasta experiência amorosa: - O amor morre! E acrescentava: - Inevitavelmente morre! Calei-me. Não lhe dei qualquer resposta.
Passado algum tempo. Diga-se: um bom tempo! O seu marido adoeceu. Doença grave. Visitei-os. Ela, uma pessoa dotada de uma imensa expansividade, estava envolta numa tristeza cravejada de profundo sofrimento. Não era a tristeza da carpideira, a lamentar-se em prantos subvencionados. Era a tristeza da tristeza. Aquela que vem de dentro. Do sentimento da possibilidade da perda. Não sei se do marido. Creio que sim. Era isso mesmo. Mas não sei se essa perda, que se avizinhava, significava o sentimento do amor ferido pelo sofrimento do bem-amado. Apenas sei que o sofrimento lhe transfigurava todo o seu ser. E transcendia da cabeça aos pés. Não suportava a iminência da perda daquele que fora seu companheiro durante vários anos.
João Mohana, num dos seus livros, Não basta amar para ser feliz no casamento, escreveu que a manifestação psíquica e física do amor vai se transfigurando com o passar do tempo. Lembro-me da imagem que fez: um casal de idosos, juntos, demonstrando o amor de um para o outro, ao simples tocar das mãos no braço. Apenas na quietude do estar juntos. Na felicidade de estar um perto do outro. O toque amoroso da mão. Felizes, até porque o amor vai perdendo a sua natureza carnal, para consolidar-se apenas na felicidade de estar com o outro.
Paulo Mendes Campos, cronista e poeta, na crônica O amor acaba, não deixa pedra sobre pedra, para afirmar que o amor acaba, "numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio (...) e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado (...) nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta do nada para o nada (...) na janela que se abre, na janela que se fecha (...) às vezes o amor caba como se fora melhor nunca existido (...) no álcool (...) em todos os lugares o amor acaba (...) por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e qualquer minuto o amor acaba". Inconformado com esse discurso que decreta a finitude do amor, Alcione Araújo, em outra crônica diz: O amor começa.  E começa "com o olhar que se ergue inocente do jornal e encontra dois olhos iluminados que esperam" E também começa "ao se virar a esquina e estacar, súbito, diante de um rosto, que não é apenas rosto, mas a serenidade de um oásis, exalada de um sorriso", ou ainda quando "se chega antes da hora marcada e ouve-se a reclamação pelo atraso". Eu direi, na simplicidade que deve ser o amor: o amor começa quando se ama. Quando o "eu te amo" está no simples olhar ou no gesto.
Vinícius de Moraes, o poeta do Soneto da Fidelidade, que cantou o amor, disse-o ser eterno enquanto dure, e, a partir dessa concepção existencialista, ressaltou o sentido efêmero de amar ou ser amado. Enfatizou a eternidade transitória. Um amor paradoxal, porquanto passageiro, como se fosse um sorvete de cupu, gostoso, porém a dissolver-se no estalar dos lábios.
Mas amar quem se ama é algo passageiro ou é eterno, enquanto dure? Se for passageiro, fugaz, o amor acaba num mero desentendimento. Restarão apenas as consequências jurídicas do desenlace. Mas, uma coisa é sentir o amor, outra coisa é o querer amar, o desejar amar, é viver o amor; é o querer estar com a pessoa amada. Por isso, a farsa do amor de fachada, explosivo de carinho e violento na intimidade. Ou ainda o da mesa de bar, saturado de futilidades. Todas essas fantasias se vulgarizam com exíguo tempo da inexorável separação. Os que se amam, admiram-se nos defeitos (com ressalvas) e nas virtudes (sempre enfatizadas). O amor se eterniza, sempre, no dar e no receber, liberto da autossuficiência do orgulho - esse veneno desagregador.
Pela vida, conheci alguns amigos e amigas que tinham a facilidade de amar. Num simples olhar, já se contaminavam pelo bom vírus do amor. E amavam. E como amavam!!! E mudavam de amor. De tanto que amaram, vivem só, na fatídica solidão do excesso de amar.
E agora? Como resolver esse dilema? O amor morre ou resiste bravamente às intempéries que solapam a sua existência? Só me resta dizer: depende de quem ama e de quem é amado. Antônio Maria, cronista que traduziu o sentimento do amor, conclui uma das suas crônicas dizendo que o homem tem duas missões, e uma delas é amar a vida inteira. Então, ame, na ausência efêmera ou eterna da pessoa amada, e na presença, sem nenhum escrúpulo de amar eternamente.

* Membro da AML e AIL.