É sempre bom fazer releitura de Nelson Rodrigues. Ou ver a reencenação de suas peças teatrais. Nelson viveu intensamente para escrever. Teatro, romances, contos, crônicas, sendo torcedor fanático do Fluminense. Quem o retratou bem, e muito bem, foi Ruy Castro, ao construir a sua rica biografia no livro O Anjo Pornográfico. Escreveu nos jornais Última Hora, Correio da Manhã, O Jornal e O Globo. Durante dez anos, publicou A vida como ela é no jornal Última Hora, cujos temas eram sempre sobre paixões e morte. Essas histórias, ora crônicas, ora contos, foram sucesso permanente de público. Mais ainda: sob o pseudônimo de Susana Flag escreveu romances como Meu destino é pecar e Asfalto selvagem. Viveu para escrever. Podendo afirmar-se que também escreveu para viver.
Recentemente, adquiri um livro de autoria de um dos meus personagens preferidos. Aqueles que me leem, poderiam, sem grandes elucubrações, adivinhar. É um livrinho no tamanho e grande no conteúdo, publicado pela Editora Rocco, no qual foram reunidas entrevistas feitas por Clarice Lispector, este meu personagem de sempre. Essas entrevistas clariceanas, cujas perguntas marcam o estilo dessa grande escritora, foram publicadas nos anos de 1968 a 1969 na revista Manchete. E os entrevistados eram pessoas do mundo das letras, da música, do teatro, das artes plásticas e do esporte, como Rubem Braga, Jorge Amado, Fernando Sabino, Chico Buarque, Vinícius, Tom Jobim, Bibi Ferreira (recentemente falecida), Tônia Carrero, Jardel Filho, Oscar Niemeyer, Djanira, Iberê Camargo, Carlos Scliair, Zagallo, João Saldanha, Emerson Fittipaldi. 
Antes irmos a Nelson Rodrigues, cuja entrevista, dadas as respostas do dramaturgo, considerei interessante, por demonstrar o humor sarcástico da sua visão de vida, passo rapidamente por Fernando Sabino, um escritor, romancista e cronista, que sempre por ele tive uma admiração transcendental. Clarice pergunta a Fernando Sabino: - Fernando, por que é você escreve? Eu não sei por que eu escrevo, de modo que o que você disser talvez sirva para mim. Resposta: - Há muito tempo que não escrevo. A última vez foi ali por volta de 1956, 1957. Escrevia por necessidade de me exprimir. Desde então tenho me utilizado da palavra escrita como atividade profissional, por necessidade de ganhar a vida. Mas não chamo a isso de escrever, como ato de criação artística.
O autor de O encontro marcado, uma das suas obras seminais, que marcou a forte e criativa presença dos intelectuais mineiros na literatura brasileira, deixa claro que fez uso da palavra como literato, no sentido da transcendência artística (da criação) e dela também fez uso para sua sobrevivência. Fato esse muito comum na vida de nossos intelectuais das letras. Clarice Lispector, a literata entrevistadora, ganhava a vida como jornalista, e as entrevistas eram um desses meios de sobrevivência.
A entrevista com Nelson Rodrigues, que fora, à época,chamado depreciativamente de reacionário – e o fora mesmo, mas numa outra dimensão histórica -, Clarice pergunta-lhe: Você é de direita ou de esquerda? Responde Nelson: - Eu me recuso absolutamente a ser de esquerda ou de direita. Eu sou um sujeito que defende ferozmente a sua solidão. Cheguei a essa atitude diante de duas coisas, lendo dois volumes sobre a guerra civil na História. Verifiquei então o óbvio ululante: de parte a parte todos eram canalhas. Rigorosamente todos. Eu não quero ser nem canalha da esquerda nem canalha da direita. Como se pode deduzir, Nelson não ficou em cima do muro. Posicionou-se contrário às duas correntes ideológicas, por estarem rigorosamente constituídas por canalhas. E ainda acentua: todos. Nelson talvez tenha razão que a própria razão desconhece. Mas que o mundo está repleto de canalhas, rigorosamente não há nenhuma dúvida.
Sobre a solidão, o autor de Vestido de noiva, numa resposta caracteriza pela antinomia, afirma que “a grande, a perfeita solidão, exige uma companhia ideal”. E ele defende ferozmente a sua solidão, mas não uma solidão do eu sozinho, mas associada a uma companhia ideal. Clarice pergunta: Nelson você é esotérico? Você acredita na encarnação? Resposta:
- Eu sou apenas cristão, se é que eu o sou. A coisa que me mantém de pé é a certeza da alma imortal. E acrescenta o grande dramaturgo: - E me recuso a reduzir o ser humano à melancolia do cachorro atropelado. Que pulha seríamos se morrêssemos com a morte.
Esse é Nelson Rodrigues, que precisa voltar a ser lido e ter suas peças encenadas. A nova geração, que pensa e age como se a vida se resumisse apenas a uma tragédia – e o mundo está sendo transformado num palco trágico – deve saber que Nelson considera a coisa mais importante do mundo: o amor. E ainda conclui com a ênfase da sua solidão a dois: - O sexo sem amor é uma cristalina indignidade. Pois bem: Nelson nunca deixou de ser um dramaturgo de si mesmo.
* Membro da AML e AIL.