Aureliano Neto*

Ela é fã da Emilinha, também do César de Alencar. Não perdia um programa de auditório na Rádio Nacional. Mas muita gente amou o Cauby, que cantou Conceição nos Bastidores com Chico Buarque de Holanda. Tudo começou com Donga (Ernesto dos Santos), Sinhô, Heitor dos Prazeres, João da Baiana, Ismael Silva, Cândido das Neves, Assis Valente, Bide, Custódio Mesquita, Carmen Miranda, Francisco Alves, Orlando Silva, Noel Rosa, Ernesto Nazareth, Ary Barroso, Zequinha de Abreu, Pixinguinha, em que pese o escândalo de Gosto que me enrosco, canção cuja autoria foi disputada por Heitor, que afirmava que Sinhô dela se apropriara. Parando por aqui, à frente dos cordões, nos salões, nas ruas, Francisca Edwiges de Lima Neves, que abriu alas de todos os carnavais, com Ô abre alas, que eu quero passar, como a inesquecível Chiquinha Gonzaga. Dela dizem que o seu marido, um capitão de navio, caiu na insensata besteira de dar-lhe um ultimato: - O violão ou eu?! Chiquinha que, quer queira ou não, fez as nossas alegrias e espantou todas as tristezas, não pensou duas vezes: escolheu o violão. Que bom! E passou a fazer músicas geniais, que eternizaram os nossos sentimentos, mitigando nossas dores e fazendo esquecer nossas sofrências.
Bem ao lado da Emilinha a Marlene, estrelas do rádio e rainhas dos auditórios. Representavam um fenômeno que nem as teorias sociológicas conseguiram explicar como se processou na história da cultura popular brasileira. Lata d'água, Tomara que chova, Sapato de pobre, Nasci para bailar, Chiquita bacana, Zé marmita. Canções fizeram o Brasil cantar nos salões, nas ruas, nos banheiros, em todos os rincões desse patropi. As ondas do rádio transmitiam a alegria desses cantos e vozes. Emilinha com o seu fã clube, capa da Revista do Rádio. Marlene no Programa César de Alencar, na Rádio Nacional, onde também estava Emilinha. Vieram logo depois as irmãs Batistas: Dircinha e Linda, filhas de humorista. Dircinha, de comportamento exótico. Vestida de casacos de pele e ostentando jóias caras e sofisticadas, costumava chegar à Rádio Nacional em glamorosos carros importados. Linda a acompanhava. Por acaso, a irmã Dircinha atrasou-se a um programa de Francisco Alves, o Rei da Voz, teve Linda que substituir Dircinha, cantando no microfone da Rádio Cajuti a música Malandro, de Claudionor Cruz. Iniciava, a partir desse episódio, uma carreira de sucesso, sendo contratada pela Rádio Nacional.
Bandeira branca eu quero paz. Foi o despertar de um discreto silêncio. 1970. Marcha-rancho que coroou o último grande momento de Dalva de Oliveira. Tudo acabado e Olhos verdes representaram a separação em definitivo de Herivelto e a independência dessa cantora que se iniciou na música, como menina-prodígio, acompanhando o pai, que era clarinetista. Seu canto de soprano, como uma mensagem operística, se espraiou pelo mundo afora. Bandeira branca foi quase o seu último momento. Coroada rainha do rádio. Antes de ser Dalva, essa Vicentina de Paula de Oliveira se transformou para sempre na Dalva de todos os tempos Oliveira. De Ave Maria no morro, de Que será?, de Segredo, de Estão voltando as flores, de Praça Onze, de Ave Maria, de Fim de comédia, de Kalu, de Mentira de amor, de Pastorinhas. A estrela dalva do rádio dos grandes sucessos. As ondas do rádio levaram o seu canto para bem longe. Tão forte era seu cantar que passou a ter uma imitadora, uma garota operária tecelã, que, em 1947, chegava para também espargir o seu canto: Abelim Maria da Cunha, um pouco depois conhecida por Ângela Maria, a Sapoti do rádio brasileiro, apelido que recebeu de Getúlio Vargas. 1954, eleita também rainha do rádio. A imitadora assumia o trono da imitada.
Diz o canto, que veio do rádio, para chegar até nós: Quero a alegria do barco voltando / Quero ternura de mãos se encontrando, isso porque Hoje eu quero a rosa mais linda que houver / E a primeira estrela que vier / Para enfeitar a noite do meu bem. É o canto do encontro, mas da angústia e da solidão. Adiléia Silva Rocha, a nossa eterna Dolores Duran, que estreou, aos 10 anos de idade, no programa de rádio de Ary Barroso, algum tempo depois cansada da noite, chegou em casa às sete da manhã e disse à sua empregada: "Não me acorde. Estou muito cansada. Vou dormir até morrer." E morreu. Dormindo. Mas antes, pelas ondas do rádio, dizia-nos do seu desespero de estar só: "Eu quero qualquer coisa verdadeira / Um amor, uma saudade, uma lágrima, um amigo / Ai, a solidão vai acabar comigo." Nesse sofrer sozinho, Dolores, uma das poesias mais líricas do rádio, evoca, numa de suas pungentes canções, toda essa carga de entrega: Leva-me contigo / Perde a minha vida quando te perderes / Deixa que eu te dê meus olhos / para que tu chores sempre que sofreres. Mas a morte a sequestrou bem cedo dessa utopia de ficar ao lado da pessoa amada.
Quem sabe Antônio Maria tenha razão, quando afirma que "na vida a gente ama vinte vezes; uma por inexperiência e dezenove por castigo". Amou muito, mas ninguém o amou na caminhada que fez pela noite tão longa de fracasso em fracasso, descrente de tudo, só lhe restando o cansaço.
Pelas ondas do rádio foi perenizado o talento de Noel de Medeiros Rosa, o Noel Rosa de Feitiço da Vila, que traduziu o seu amor pelo samba e pelo bairro famoso nesses eternos versos: Quem nasce lá na Vila / Nem sequer vacila / Ao abraçar o samba / Que faz dançar os galhos do arvoredo / E faz a lua nascer mais cedo. Esse o Noel que o rádio não deixou morrer.

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