Expressão criada por Gustave Flaubert, escritor francês, que tinha a ideia fixa de fazer uma narrativa expurgada de preciosismos, tornando a linguagem o mais simples possível. Escrevia e reescrevia, até alcançar o perfeccionismo literário, para comunicar-se sem grandes atropelos estilísticos. Produziu, assim, a célebre obra Madame Bovary, cuja temática é o adultério, tendo, quando da publicação, o ano de 1857, escandalizado a sociedade que vivia outros valores éticos. Submetida a um julgamento em que os valores morais vigentes foram opostos à obra, o romance de Flaubert conseguiu sobreviver até os nossos dias. Madame Bovary se perenizou, atravessando, sem envelhecer esteticamente, todos os movimentos literários, resistindo ao tempo pela força de sua simplicidade temática e narrativa. Tive a oportunidade e o prazer de ler várias vezes Madame Bovary, ora pela satisfação pessoal, ora profissionalmente quando revisor da Editora Edições de Ouro, hoje denominado Ediouro. Ficou a ideia de que, de fato, não é nada fácil ser simples, ao ser desenvolvida uma narrativa tão controvertida, centrada na personagem Ema Bovary, como o fez Flaubert, esse grande artista, que permanece imortal até os nossos tempos. Daí recorrer-se ao óbvio: a simplicidade de sua obra, de profunda força poética, o imortalizou. E ele teve a coragem intelectual de dizer: Madame Bovary c’est moi, numa réplica àqueles que censuravam a sua eterna criação literária.
Saindo da ficção para a realidade, deparo-me com essa certeza flaubertiana: - Não é nada fácil ser simples. Ou, no trivial, a arte imita a vida. Ou a vida é a expressão da arte, ou mesmo o substrato da arte. Ou, ainda, se constitui na arte mais corriqueira do dia a dia, reproduzida numa expressão de linguagem, temática e narrativa, a desafiar os valores de uma época, que precisam ser questionados, e, mais do que nunca, denunciados. Mas, o que tem Flaubert ou Madame Bovary com as artimanhas do mundo em que vivemos? Talvez não tenham nada, absolutamente nada, ou quiçá tenham muita coisa a ver. É certo que o adultério, que escandalizou aquele tempo, em razão do prevalecimento de valores éticos mais consistentes, arraigados a uma sociedade contaminada pela hipocrisia, denunciada por Flaubert, já não escandaliza tanto quanto. Pelo contrário, pode até mesmo enriquecer o currículo de quem o pratica. Fulano diz lá, qualificando-se: brasileiro, ou brasileira, casado, ou casada, namorado, ou namorada (não existe mais amásio ou amásia, é nome feio e preconceituoso), profissão tal e qual, nas horas vagas, adúltero, ou adúltera, com residência fixa ou flexível. Pronto! Currículo aprovado, considerando as experiências conjugais e conjugadas. Nelson Rodrigues, na atual conjuntura, em que pese o epíteto de Anjo Pornográfico, estaria no mato sem cachorro. Minto: talvez nem tanto, já que O Beijo no Asfalto, peça apresentada em forma de musical, faz um retumbante sucesso no Rio. Mas Nelson sempre fez da arte de escrever a forma simples de se comunicar, como teatrólogo ou como cronista. No teatro, aliam-se os dois meios de expressão: a palavra e a cena. Na crônica, a palavra. Nelson conseguiu ser um mestre da simplicidade nessas duas formas de expressão artística. Às vezes, repetitivo, porém criativo.
Na vida real, com algum requinte de morbidez, uma vez que se vive um momento de banalização e espetacularização da violência, temos tomado conhecimento de tragédias cozinhadas nesse caldeirão do sensacionalismo. Há, pelo que se deduz do furor cotidiano, um fetiche da violência. Jornais, revistas, TVs, rádios, internet, todas essas mídias são porta-vozes da violência, como se isso trouxesse a felicidade para todos nós. Volto a Flaubert. Como seria fácil ser tão simples, dando-se também relevância a um noticiário menos cruel, com algum romantismo ou alguma pigmentação de otimismo. O mundo não está apenas recheado de hediondez. Resta alguma esperança de que se possa rir, embora, em algum momento, o trapezista desse circo dos horrores se desequilibre e despenque na firmeza do chão duro da realidade. No canto de Renato Russo, clama o poeta ser preciso amar as pessoas como se não houvesse o amanhã.
Como não é nada fácil ser simples. Há sempre aqueles mais espertos que procuram, usando a sua privilegiada inteligência, fazer o simples com criatividade. Pois bem. Não é que lendo o jornal Agora, de São Paulo, edição do dia 05, encontro essa inusitada notícia: Presos treinam rato para levar drogas. Fiquei perplexo. Não pelos presos e muito menos pelo roedor. Pela criatividade. Dizia a notícia, em linguagem simples: Detentos prendiam linha no rabo do bicho (no caso, o rato) para transportar droga entre alas de presídio no Tocantins. Esse fato ocorreu na penitenciária Barra da Grota, no Estado do Tocantins, que faz fronteira conosco bem aqui perto. Os presos domesticaram um rato para fazer entrega de drogas, transitando de um pavilhão a outro. O método exitoso, de uma simplicidade tamanha, foi descoberto pelos agentes. 
Por último, vale a pena lembrar a nossa simples e decantada recessão. Não para essa turma do dinheiro. O Itaú Unibanco lucrou, nesse terceiro trimestre, R$ 5,9 bilhões. Um simples ganho de 10%, enquanto muita gente anda por aí a chorar miséria, com lágrimas esguichadas pela nossa mídia. Conclusão: para os nossos bancos, nada é mais simples do que a facilidade de ganhar tanto dinheiro em tempo de vacas magras.