Nada morre para sempre! Alguma coisa sempre fica. De onde outra nasce. Porque a vida quer viver. Como um profeta a fazer premonições, Fernando Pessoa, na voz do seu heterônimo Álvaro de Campos, clama: - Não! Só quero a liberdade! Amor, glória, dinheiro são prisões! Em síntese: o poeta não quer outra vida a não ser viver.

O tempo é um eterno desafio do viver. O passado nem sempre é passado. Insisto e repito William Faulkner: - O passado nunca morre. Sequer é passado. Em A cor púrpura, um personagem, sentindo a opressão das circunstâncias, traduz a sua inquietação: - Quanto mais as coisas mudam, mais parecem iguais. E o futuro? O que é o futuro? Uma grave e duvidosa interrogação. Nada mais. Sabe-se lá se o futuro se faz presente. Há aqueles que vivem para futuro. Adoram o futuro. Amam para o futuro. Odeiam para o futuro. Poupam para o futuro. Preparam-se para viver o futuro. Casam para o futuro. Ou mesmo não casam. Têm filhos para o futuro. Constroem riquezas para o futuro. E morrem antes do futuro. Uma pena!
Ou somos esquecidos, ou somos criticados de forma ácida ou irônica. Nem o Bom Samaritano escapou dessa. Margaret Thatcher, a Dama de Ferro, de péssima lembrança para o trabalhador da Inglaterra, no tempo da imposição dos insanos postulados neoliberais, para justificar o poder do capitalismo, declarou, com a ironia britânica, que "ninguém se lembraria do Bom Samaritano, se ele tivesse apenas boas intenções. Ele tinha dinheiro também". Cristo não teve a intenção, ao criar a parábola do Bom Samaritano, em demonstrar as suas virtudes capitalistas, de pagar a conta, mas ressaltar o servir, no sentido de pôr-se ao atendimento das carências do próximo. De todos, quem é o próximo? Eis a grande e necessária indagação, cujas respostas não decorrem de meras manifestações festivas de um fazer de páginas de jornais, revistas ou de marketing televisivo.
Não sou tão velho assim, mas sou da época em que fazer caridade não carecia de tanta publicidade televisiva. Tudo era mais simples. Os óbolos eram dados, sem a necessidade de ter-se um lugarzinho no céu, ao lado do nosso Pai, o Todo Poderoso. Sou duma época em que os milagres não eram tão vulgares. As graças divinas eram recebidas com um simples e sincero pedido. Era o batei à porta e ela se abrirá. Peça e o Senhor, na sua infinita bondade, o atenderá. E o agraciado não estava facilmente salvo. Ainda tinha que lutar pra burro para conseguir escapar do inferno, embora Sartre tenha dito que o inferno são outros. Coisa de filósofo existencialista. Não sei o que mudou. O tempo às vezes passa muito rápido. Os negócios com as coisas do céu estão mais lucrativos. Mais lucrativos do que na época das espúrias indulgências. Margaret Thatcher, acima referida, com a sua acuidade capitalista, viu no Bom Samaritano não como o exemplo do próximo. Ah!, se ele não tivesse dinheiro, afirma a Dama do capitalismo, ninguém dele se lembraria apenas pelas suas boas intenções, até porque, diz o brocardo popular, de boas intenções o inferno está cheio.
Mas repito: embora não tão velho assim, sou do tempo em que ralhar era chamar a atenção, dar bronca. De uma época em que as mulheres gozavam de grandes privilégios, e infelizmente não eram tão iguais aos homens. Estes sempre tiveram a mania de ser mais iguais, no dizer Orwell. As mulheres tinham tantos privilégios que, em qualquer transporte coletivo, ao subir esse ente bíblico, nascido da costela de Adão, o homem, obsequioso, levantava para dar-lhe a primazia do lugar. Parece-me que hoje a mulher é quem presta essa homenagem ao homem, que, de sexo forte, está cada vez ficando mais fragilizado nesse embate com o sexo oposto, que nem mais é sexo, é gênero.
Sou do tempo da cristaleira, do petisqueiro e da penteadeira. Ainda do tempo em que se mandava roupa para a tinturaria. Sou da época do luto, em que se prestavam sentimentos de homenagem aos familiares que sucumbiam sem a possibilidade de viver o futuro. Sou de um tempo em que se almoçava e jantava, e a dieta era um bom prato de arroz e um apetitoso e fumegante cozido, condimentado de mandioca. Sou de um tempo em que os bons ternos eram feitos por um bom alfaiate, e os sapatos pelos sapateiros, que ainda os eternizavam com as meias-solas. Vocês, nessa alusão passadista, me perguntariam: nesse tempo, tudo era bom? Não. Não é bem assim. O alfaiate nem sempre fazia uma boa roupa; nem o sapateiro fazia sempre um bom sapato. Não havia a bendita televisão, não havia a internet; também não havia celular, o telefone era o fixo, sentava-se à porta, havia vizinhos, mas havia muita fofoca. Hoje cada é um por si e, dependendo do dízimo, Deus por quem paga. Continua-se a fazer filhos com as mesmas práticas e métodos, desde a distante época que o homem é homem e a mulher é mulher, com algumas variações in vitro, é verdade, não prazerosa. Mas são os novos tempos. Nada morre para sempre! A vida começa todos os dias, nunca deixando de ser inovação e repetição.