Entrei naquela rua, onde, cedo, costumo sempre passar. A rua é estreita. Mesmo naquela hora, não há anenhuma necessidade de pressa. O carro vai aos solavancos, driblando os buracos que se sucedem, quase intermináveis. Se em velocidade, seria uma corrida de obstáculos. Rua bem estreita, ladeada por carros, que não dão a mínima bola para sinalização. Às vezes, nos deparamos com um motorista mais afoito que vem, de mansinho, a perscrutar o imponderável, na contramão. Assim, temos que vencer os buracos, tirar fino dos veículos estacionados de um lado e do outro, e ainda evitar o afoito motorista que trafega na contramão com os faróis ligados, a nos dizer: - Cuidado, cara! Desvia do meu caminho. De outro modo, a fatalidade nos pode acontecer. Mas não tenho culpa alguma, diz ele lá pra si mesmo. Olha bem, seu insensato legalista do trânsito: os faróis estão bem acesos. E nós então deixamos o imprudente, incólume, passar. Ele deve ter alguma razão! Afinal, são situações cotidianas.

No primeiro quarteirão da rua, vi aquela mulher. Estava sentada na beira da calçada, vestida com uma blusa estampada, em que realçava um colorido verde com tons encarnados. Apesar dessas cores alegres, a mulher estava com acentuado ar de tristeza. Vi a tristeza saltando de seus olhos. Também do seu ombro curvado para o lado direito, com o braço apoiado na parte de cima da perna direita. Parecia desamparada. A tristeza que dela provinha, dizia que estava vivendo uma triste solidão. De relance, olhei os seus olhos. Não destoavam da cena. Pareciam tristes. Muito tristes. Mas não se percebia a existência de uma só gota de lágrima. Era uma tristeza interior, que se projetava para fora, como se a mulher não tivesse força para retê-la dentro de si mesma. Na dúvida, pensei: sentou-se aquela mulher na beirada daquela calçada para, com a tristeza de seus olhos, olhar o mundo. O mundo do alvorecer, que passava, e ela apenas o via sem esboçar o mais ínfimo interesse de viver esse mundo que lhe parecia tão distante, embora ela estivesse ali sentada, espargindo a sua tristeza. E o mundo não o via. Não dava importância para sua tristeza.
Deu-me uma imensa vontade de parar e fazer àquela mulher a pergunta óbvia: - Por que a tristeza, que emanava tão efusivamente dos seus olhos tristes? Bem. Não estava com pressa. E poderia ter com aquela mulher triste esse pequeno e, quiçá, desinteressante diálogo. Mas, infelizmente - com certeza, infelizmente - não tive a ousadia de parar. Levei comigo no trajeto a tristeza que emanava daquela triste mulher. E perguntava, a todo instante, como uma obsessão doentia: - Por que a tristeza nos olhos e nos ombros derreados daquela mulher? Não conseguia encontrar uma resposta. Talvez nem ela pudesse dar-me. Se a ela perguntasse, possivelmente não teria uma razoável explicação que satisfizesse a minha curiosidade. Mas a tristeza daquela mulher me invadiu, Me fiz algumas perguntas, que ficaram sem respostas: -Será que aquela mulher triste padecia da tristeza do amor? Ou será que era a solidão do fato de ter muitos amores? Enfim, conjecturei, o excesso, muitas vezes, estraga. João Mohana, meu querido autor de Sofrer e amar e O outro caminho, certa vez, nesta Imperatriz de tantos amores tocantinos, quando o ciceroneei para um encontro de casais, me disse: - Amor em excesso estraga. É. Não o contrariei. Pode ser. Tudo em excesso estraga. Chego à obsessão de afirmar que até mesmo o excesso de dinheiro.
Segui caminho. Como diz o poeta José Chagas, me fiz e me refiz. Ou tentei. Fui em frente. Os olhos da mulher triste não me abandonaram. Seguiram-me. Tive um imenso temor de que a tristeza da mulher triste fosse transplantada para mim. Ora, estamos a viver os tempos das mulheres. A mulher riste não é mais tema dos nossos jovens e atuais poetas. Todas as nossas mulheres têm perfeição da alegria. Gordas, magras, rechonchudas, pretas, brancas, amarelas, recebem a nossa devoção de servidores desse sexo (ou melhor: gênero) forte. E não mais o século. O mundo é da mulher. Parafraseando Churchill: nunca tantos deveram tanto a tão poucas. Aliás, atualizando essa histórica frase: não mais tão poucas, há muitas, que têm contribuído para fazer um mundo mais solidário, sem a solidão da mulher triste da calçada.
Vinícius, esse empedernido cantor das mulheres, na canção A felicidade, que fez com o inseparável parceiro Tom Jobim, fala da tristeza e da felicidade. Diz logo no início, pra não deixar qualquer dúvida poética: tristeza não tem fim felicidade sim. Não sei se o poeta está certo, embora poetas sempre estejam certos. Enfim, a poesia nos conduz para o mundo da utopia. Ser triste e ser feliz, eis o nosso grande dilema existencial. Pelo que diz o poeta, pode-se ser feliz sem ser triste, e pode-se ser triste sem ser feliz. E aí me veio a grande dúvida não existencial, mas poética: a mulher triste, ainda assim, era feliz? Até porque não sei se a mulher era rica ou pobre. Apenas era uma mulher triste. Quem sabe, feliz.