Fim das férias. Estamos no fim de tudo. Fim do emprego. Fim do salário. Fim do descanso aos domingos. Fim das horas extras e da periculosidade. Ainda bem, estive de férias. Antes que fossem cassadas, cansei das férias. Bem.Não é bem isso. As férias me cansaram. Voltei à labuta do cotidiano. Não resisti ficar longe desta terra, onde o sol é mais sol, as chuvas são um desafiam, e a lua parece mesmo a lua dos namorados. Lembrei-me do nosso hiperbólico cronista e teatrólogo Nelson Rodrigues, que anda um pouco esquecido, e que exortava: “O brasileiro é um feriado!” E acrescentava em A vida como ela é: “- Vi isso, anteontem, e de repente. Era uma terça-feira – note-se – o primeiro dia útil depois da sexta, sábado, domingo e segunda de Natal. Imaginei que, exausto da própria ociosidade, o brasileiro estivesse, no escritório, na oficina ou na pedreira, fazendo a sua pátria. (...) Todavia, quando dobro para a avenida Atlântica, eis que o que vejo: do Forte de Copacabana ao Vigia, era uma só multidão que daria para lotar várias vezes o maior Fla-Flu. Por um momento, eu, na mais amarga perplexidade, não sabia o que pensar. Eram os mesmos umbigos paradisíacos da véspera e de todas as vésperas. Essa nudez multiplicada deu-me o que pensar. Foi aí que descobri essa verdade nacional: - o brasileiro é um feriado, temos alma de feriado.” E há mais: Nelson faz esta providencial indagação: “- Se o brasileiro não sai da praia, quem faz o Brasil?” Por essas e outras, atendendo ao nosso renomado cronista, resolvi fugir da praia e fui gozar férias onde era possível continuar fazendo o Brasil. Enfim, em tempos atuais, de muita subnutrição mental, o patriotismo me convoca, até mesmo no momento do sagrado descanso (antes que acabem!?), para trabalhar pela construção do Brasil. Arre!, essa velha terra, num equívoco, descoberta por Cabral em 1500 e que nunca deixou de ser construída (sempre sendo reformada; é reforma disso e daquilo), parece um carro velho, só funciona bem quando está parado.
O título desta crônica, como vocês a si mesmos já perguntaram, deveria ser essa genial frase de Nelson Rodrigues: - O brasileiro é um feriado. Preferi não me apropriar, até porque alguém, atento a essa espécie de fraude, não me deixaria gozar da impunidade. Antes, um aviso: não tenho partido. Meu partido é a pátria amada. Meu partido, como costuma dizer aquele velho político, que conseguiu amealhar fortunas (e agora por esses novos tempos, um certo capitão), sem nunca ter pregado um prego numa barra de sabão, mas do alto do seu verdejante patriotismo, diz aos seus cativos eleitores: - Meu partido é o Brasil. E Cabral, aquele lá do início, remexendo-se, retruca: - Meu Deus, o que é que fiz de errado? Me vem aquela vontade de evocar Castro Alves. Mas, pensando bem, deixa o condoreiro baiano pra lá. Pra que metê-lo nessa confusão patriótica?!
Para que possa justificar essa nossa conversa sem eira nem beira, para aonde fui, tinha-se que enfrentar as nossas estradas e os duros bancos das rodoviárias. No retorno, sem ser fofoqueiro, ouvi um belo discurso de um personagem a discorrer sobre os novos tempos. Ouvindo-a, veio-me a dúvida: é da direita ou da esquerda? Contive-me. Não quis olhar para onde partia a voz pigmentada de grave exaltação nacionalista, no sentido de que se deve lutar. Era uma exaltação cívica. Ainda existem esses arroubos, que me lembram da época em que se lutava contra a ditadura civil-militar e pelas eleições diretas. Bons tempos, dirão os saudosistas empedernidos, que insistem em revolver esses sentimentos que dormem nos compêndios da nossa história mal contada. A ditadura era duríssima. Redundância necessária. Médici endureceu. Geisel, com o aval de Figueiredo, matava os “comunistas”. E, mediante aplausos dos incautos, como ainda ocorrem hoje, ainda se propagava a abertura lenta, gradual e segura. Nunca faltaram os historiadores que se prestam pra tudo, inclusive para escamotear os fatos históricos. São os bajuladores de quem esteja no poder.
O meu personagem da rodoviária, estava bem próximo de mim, razão pela qual ouvi integralmente o seu cívico discurso. Dizia, a exalar sofrimento em cada frase, que o brasileiro não tem solidariedade. Só pensa em si. E acentuava: é preciso unir-se, lutar, ser forte, coerente nessa luta. Pareceu-me ser uma pessoa humilde, de um lugar pequeno, desses em que as atribulações são mais intensas e as carências maiores ainda. Referia-se aos valores, que dizia ser exorbitantes, do gás de cozinha, além da carestia e do desemprego.- Deveria haver um movimento de união para combater essa situação, reiterava. Falava sobre o Japão, país que se recuperou após ser destruído na Segunda Guerra. Dava como exemplo a época do fogão de lenha, ressaltando que ninguém morreu por causa disso. Exortava uma greve contra tudo. O civismo do discurso me cativou. Nesse momento, veio à lembrança o que ocorreu nos Estados Unidos, quando os negros lutando contra a brutal segregação racial, a partir do evento Rosa Parks, histórica ativista dos direitos civis, boicotaram os ônibus contra a crueldade do apartheid. E começaram a vencer a luta contra a cruel discriminação. A história sempre tem um começo, e também um fim.
 
* Membro a ABL e AIL.