Aureliano Neto*

Ele espera casar o mais rápido possível. De forma afoita, com grande esperança, reverbera a sua ânsia casamenteira, em repetição exaustiva, aos que lhe são mais próximos: - O quanto antes, quero casar. Para realizar seu sonho, sai à procura de uma parceira, - bem, sem distinção de cor, ou statu social, apenas uma mulher -, embora sua preferência fosse apenas unir-se a um companheiro. Mas, foi aconselhado que melhor seria o casamento. Pôs anúncio em jornal, usando um nome fictício para atrair a interessada. Recebeu, sem muito tardar, a resposta. Uma mulher de 36 anos, que, dependendo do ajuste, colocar-lhe-ia o apartamento à sua disposição. Fizeram todas as tratativas. Pouco tempo, estavam casados. Solenidade realizada num ritual de extrema simplicidade. Tudo formalizado, ele efetuou o pagamento à consorte, deram-se um protocolar aperto de mão, separaram-se, e ele foi para o seu domicílio originário aguardar o homem de sua real preferência. Quem é ele? Um estrangeiro, precisando se fixar em definitivo no Brasil. O casamento: o melhor meio. Daí a negociação com a futura mulher. Esses matrimônios negociados estão sendo realizados para regularizar a situação de permanência do imigrante em território brasileiro. Os anúncios de oferta são publicados em países europeus, mais ou menos assim: - Sou mulher, e não se preocupe, sou divorciada, 40 anos, dois filhos, não tenho interesse em relação afetiva (...) eu quero resolver o seu e o meu problema. Pois é, a ofertante diz resolver a situação do pretendente quanto à legalização de sua permanência no Brasil e a dela, que receberá, pelos serviços prestados, em torno de dez mil a vinte mil dólares. É o comércio às escâncaras do matrimônio, um novo contrato no mundo do consumo.
Bem que Nelson Rodrigues resume essa comédia da vida como ela é, afirmando que o dinheiro compra tudo. Até mesmo o amor verdadeiro.
A sabedoria popular não nega isso: tudo tem um preço, ainda que estimativo. E acrescenta mais: amigos, amigos, negócios a parte. Pois é: não há que se confundir uma coisa com outra. Um paga, e outro presta o serviço. Na afirmação de Michael J. Sandel (O que o Dinheiro não Compra - Os limites morais do mercado), trata-se do triunfalismo do mercado, em que quase tudo está à venda, mesmo para a pessoa servir de cobaia em uso de novos medicamentos a serem testados em laboratórios farmacêuticos. O ganho daquele que se predispõe a ser objeto de experimento é variável, dependendo dos riscos que enfrentará, ou do desconforto que lhe venha causar a droga testada em sua pessoa. Tudo é negócio, em que há um preço recíproco a ser pago.
Com essa lógica mercantil, o mercado da vida avança, sem limites éticos. Os negócios dele decorrentes alcançam cifras monumentais. Em alguns casos, em torno de trinta bilhões de dólares, como ocorre com a compra de apólice de seguro de uma pessoa idosa ou doente. Vejam bem: o comprador adquire a apólice do segurado, paga os prêmios enquanto este vive, mas aposta nas imensas possibilidades de que o sinistro venha tão logo a ocorrer. Assim, informa Sandel, quanto mais cedo o segurado morrer, mais lucro terá o investidor. É uma equação cujo resultado tem o sentido da morbidez.  A vida efêmera do segurado é uma justificativa para a rápida lucratividade pela morte. É apenas negócio e que negócio!
Os jornais nos dão notícia de que os casais com problema de fertilidade podem, por determinação do Conselho Federal de Medicina, recorrer a barrigas de aluguel ofertadas por não parentes para realizar gestação. Há todo um procedimento prévio a ser seguido até chegar à transferência do embrião para o útero da receptora. Embora, a grosso modo, se fale em barriga de aluguel, o útero deve ser apenas emprestado para a gestação, não sendo, obviamente, permitido a cobrança dessa "cessão gratuita". Sabe-se que o sistema jurídico brasileiro não admite o aluguel de útero, ou a mercantilização de órgãos do corpo humano. Outros países admitem, como os Estados Unidos e Índia. Em nosso caso, como fiscalizar essa atividade, em face da sua gratuidade, para que não se transforme num grande negócio em detrimento da pessoa humana, sobretudo aquela mais carente de recursos financeiros? E como equacionar a relação afetiva nascida entre a receptora, que cedeu o útero, e o filho concebido? Não esqueçamos: há um contrato de empréstimo entre a "mãe" biológica que cede o útero e aquele que é o proprietário do embrião transferido para o óvulo. Essa questão é trazida por Michael Sandel no livro Justiça - O que é fazer a coisa certa, tendo em vista a mãe de aluguel (lá, de aluguel mesmo) não ter entregado a criança para os que contrataram o seu serviço. A solução dada, num primeiro momento, ateve-se ao contrato: invulnerável e que deve ser cumprido. Em decorrência, a "mãe" receptora não poderia quebrar o acordo, por ter mudado de ideia. A custódia da criança foi dada para os contratantes. Inconformada, a receptora apelou para Suprema Corte, que reformou a decisão do juiz, sob o fundamento de que a gravidez de aluguel se constitui comércio de crianças, e, assim, por ser comércio de crianças, é ilegal. E mais: a necessidade financeira faz com que seja provável que mulheres pobres "optem" por serem barrigas de aluguel para ricos, em vez de ocorrer o inverso. Ter havido ou não consentimento para cessão do útero foi considerado irrelevante. Conclusão: existem algumas coisas numa sociedade civilizada que o dinheiro não pode comprar. De fato, o mercado pode muito, mas não pode tudo. Há limites, senão econômicos, ao menos éticos. Ninguém consente ser mãe, para depois não mais ser. Útero não é depósito, e bebê não é mercadoria, embora se esteja a viver a cultura cruel do consumo.

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