Quando o medo, esse fenômeno psicológico de forte caráter afetivo, nos acomete, aprisionando-nos do acordar ao dormir – e principalmente ao dormir –, impõe-se a nós mesmos tomar algumas providências pessoais, para não descambar para a ideia fixa de que, em cada esquina, vamos encontrar à espreita o inimigo, que nos subtrairá algum bem, sendo o mais caro deles a vida. Quem não tem medo? Eis a indagação universal a nos atormentar, provocando-nos respostas ou dúvida a todo segundo da nossa falível existência. Lendo, certa vez, um conto de Paulo Mendes Campos, cujo livro se encontra perdido no meio do tempo e da minha biblioteca, esfacelada aqui e acolá, um dos seus personagens afirmava, com a convicção de uma época tão menos violenta, que não tinha medo porque não tinha coragem. Assim estabelecia uma correlação entre o que tem medo, porque não enfrenta o imponderável, o ameaçador perigo identificado nas circunstâncias daquele possível momento, e o que tem coragem, por ser fatalmente um medroso, por isso mesmo ter o destemor de enfrentar o perigo que o ameaça.

Nessa minha ânsia de medo, tenho medo de quase tudo. Sabem? Medo de avião, que os corajosos enfrentam e afirmam que é o meio mais seguro de ir de um lugar para outro, em longas distâncias, atravessando todos os oceanos. Mas que, infelizmente, cai. E, quando cai, pronto!, acabou-se o medo, porque a consciência da grande ameaça desaparece no pouco que nos sobra da queda.
Mas esse medo, o do avião, é um medo efêmero. Em pouquíssimas horas, senão minutos, estou livre dele. Basta pôr os pés em terra firme. Aí o medo se dilui, como se fosse uma daquelas balinhas que nos são servidas pelas belas aeromoças da TAM.
Em terra, vêm os outros medos. Medo de não chegar a casa, recôndito do descanso. Medo de dormir e não acordar, ou de não acordar a tempo para cumprir todos os compromissos, que o decorrer do dia nos exige quase em entrega total. Medo de que os assaltantes que estão a nos rondar, sejam maiores ou menores, resolvam não se conformar com a subtração dos suados valores patrimoniais e resolvam optar pela extinção prematura, retirando-me a vida. Medo de ser mais uma vítima de uma bala fatal, disparada de um revólver de um passageiro de um ônibus, que resolve fazer justiça pelas próprias mãos, e ceifa cruelmente a vida de um inocente. Medo de que a resistência em entregar o meu veículo seja um desafio insano que provoque a sanha do delinquente e ele, sem a mínima compaixão, me mate. Medo de não ouvir a advertência da polícia e, ingenuamente, prosseguir o meu trajeto e receber alguns certeiros tiros de pistola ou fuzil, matando-me, sem que tenha sequer o mínimo direito de ser assistido, nos meus últimos momentos, por alguém da família.
Medo de ser tão vítima quanto Edilene Castro, que, antes de completar 35 anos de idade, foi brutalmente assassinada porque não quis entregar para os assaltantes a motocicleta. Medo de ser Irialdo Batalha, de 35 anos da idade, que, em Vitória do Mearim, foi executado com dois tiros na costa, vítima de uma blitz malsucedida da polícia, e – o pior – também vítima de uma ardilosa mentira, elaborada com todos os artífices de crueldade por criminosos fardados. Medo de estar num ônibus, como muitos brasileiros estão neste instante, e entrar um assaltante, vestido de farda escolar e com cara de criança imberbe, armado de faca, anunciar o iminente roubo, logo aparecer um justiceiro, desses que estão de prontidão, apontar a sua mortífera arma de fogo, matar o assaltante e, de sobra, eliminar a minha vida ou de um filho de um nós. E, ainda mais, não se saber quem foi o “herói” de plantão, que, fazendo justiça pelas próprias mãos, julgou e executou publicamente o criminoso e ainda matou uma inocente, a estudante de enfermagem Alessandra Alves da Silva, de apenas 21 anos de idade, que estava lutando para construir a sua vida, que foi ceifada, num ato brutal e criminoso, praticado por um justiceiro que, por sua conta, resolveu substituir a função mediadora do Estado, na prevenção e repressão ao crime, matando sem julgamento, e, o que é pior, assassinando inocentes. Medo ainda de que essa espécie de justiça-vingança passe a ser a norma a brutalizar a nossa sociedade, armazenando em holocausto cada vez mais corpos de vítimas inocentes.
Por fim, para justificar os meus medos, recorro ao poeta Raymond Carver, que, no poema Medo, publicado na Ilustríssima, da FS, em 18 de julho de 2010, sintetiza todos os meus temores: “Medo de ver a polícia estacionar à minha porta. / Medo de dormir à noite. / Medo de que o passado desperte. / Medo de que o presente alce voo. / Medo do telefone que toca no silêncio da noite. (...) Medo de cães que supostamente não mordem. / Medo da ansiedade. / Medo de identificar o corpo de um amigo morto. / Medo de ficar sem dinheiro. (...) Medo da confusão. / Medo de que o dia termine com uma nota infeliz. / Medo de acordar e ver que você partiu. / Medo de não amar e medo de não amar o bastante. / Medo de que o que amo se prove letal para aqueles que amo. / Medo da morte. / Medo de viver demais. / Medo da morte.” São tantos os meus medos, e ainda o medo dos vingadores insanos e cruéis a disseminarem a morte e nos matarem de tanto medo.