Versos Íntimos
Augusto dos Anjos
Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão - esta pantera -
Foi tua companheira inseparável!
Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora, entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.
Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.
Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!
Esses versos de Augusto dos Anjos, poeta paraibano cético, pessimista, com visão materialista do mundo, que insistia em anular a si mesmo, foram publicados no livro, Eu, no momento de transição para o modernismo, embora a obra tenha sido editada em 1912. O fato é que continua bem atual. E o poema de cima está incluído entre os cem maiores do século (séc. XX).
Por que a lembrança de Versos Íntimos, de Augusto dos Anjos? Simples. Lembrei de um dos marcantes versos desse poema, o qual uso como título desta croniquinha: A mão que afaga é a mesma que apedreja. E lembrança me vem em face dos últimos acontecimentos políticos de nossa pátria amada Brasil. Sobretudo a cassação do mandato do deputado Eduardo Cunha. Alguém, então, do alto de sua sabedoria, há de refutar que isso são águas passadas, não valendo a pena voltar a esse tormentoso (como enfatizam os juristas) assunto. Acrescentariam, ainda, a célebre frase: até aí morreu Neves. Mas resolvi mexer nesse vespeiro. Afirmava um dos jornais que atrasadamente li que Eduardo Cunha foi dormir no domingo (dia 11/9) certo de que o seu julgamento não ocorreria na segunda (dia 12/9). No dia seguinte da sua fatídica decapitação, a coisa já não seria bem assim. Manteve a sua articulação para evitar a degola. Enfim, tinha um invejável poder conservador nas mãos. Muitos deputados, correligionários (como se dizia nos tempos antigos), lhe deviam favores, imensos favores. Tinha-os presos em sua influência. Afagava-os com polpudas verbas e esperava receber de volta os afagos. Para sua “esperada” surpresa, não foi bem assim. O corruptível Cunha (Uma vida de crimes?, interroga um jornal de nossa terra) teve a sua cabeça cortada no cadafalso do parlamento pelos seus próprios correligionários. Não teve Cunha a cautela de seguir a sábia recomendação de Voltaire: Deus me defenda dos amigos, que dos inimigos me defendo eu. É nisso que dá quem, sem o benefício da dúvida, devota-se à fidelidade de “amigos” que infestam o nosso parlamento.
Cunha, antes de ter praticado as lições de O Príncipe, de Maquiavel, deveria, se tivesse sido aconselhado pelos ‘inimigos”, que tanto fez no curso de sua tumultuada vida pública e privada, lido o pequenino livro de Deonísio da Silva, A vida íntima das frases, e lá encontraria uma, extremamente curta e de uma simplicidade franciscana, cujo teor é: virar casaca. O significado é dito por Deonísio: “A política brasileira está cheia de gente que virou a casaca, isto é, homens públicos que trocaram de partido, passando a defender ideias que antes condenavam.” Pois é, meu caríssimo Cunha, você que sempre fez uso da mesma receita foi vítima do mesmo veneno, utilizado pela turma do vira casaca. Cunha, os exemplos estão por aí. Atualíssimos. Tem gente que esteve com e na ditadura, veio para Nova República (assim denominada por Tancredo), acompanhou Lula, nos seus dois mandatos, e Dilma, até as proximidades do golpe, e, de um exíguo momento para o outro, virou casaca. E pronto. Como afirma um confrade meu: e vamos que vamos.
Também uma pena que o nosso famigerado Cunha não tenha lido esse célebre poema de Augusto dos Anjos. Se tivesse, no momento de abandono, ficaria martelando na cabeça, na angústia da véspera de subir ao patíbulo, esse verso de forte teor humanista, porquanto inerente à fraqueza e à traição de alguns desprezíveis seres viventes: A mão que afaga é a mesma que apedreja. E ainda acentua o poeta dos Anjos: Acostuma-te à lama que te espera! Essa lama, Cunha, é o ostracismo, a cusparada na cara dos amigos que amealhaste pagando altas quantias para formar o teu exército de mercenários. Ao debater com Renan (o Calheiros, de duvidosa moral), este mais esperto, pois não dá murro em ponta de faca, respondeu: - ...mas quem planta vento, colhe tempestade, isso é a lei da natureza.” Renan, o sábio de Alagoas. Não tem Lava Jato que o derrube. As delações de sucedem, e ele, firme como a Cordilheira dos Andes, não se arreda de onde está.
Pena, ó Cunha, tu que tiveste com o rei na barriga (mais uma frase), não pudeste fazer uso da famosa e secular frase de Júlio César, dita nos idos do ano 44 a.C., quando apunhalado pelos senadores aristocratas romanos, vendo entre seus algozes o seu filho adotivo, Júlio César bradou com veemência: até tu, Brutus, simbolizando para o mundo a sua perplexidade com a traição. Acostuma-te, Cunha, não só com a lama da traição, até porque fu foste traidor, porquanto os Brutus que por ela transitam, carregam, como seu símbolo, esse eterno verso: a mão que afaga é a mesma que apedreja.
Comentários