Aureliano Neto*

Já disseram, com absoluta razão, que a maior tragédia da velhice é a morte. Mas, acrescento, com a certeza da verdade também, quem sabe, absoluta: apenas a morte física. Pois ninguém morre. Eternizamo-nos no amor. No amor de ser mãe, e no de sermos filhos e de toda a descendência que brota do aconchego e do calor útero materno.
Marionildes, minha mãe e de mais doze irmãos, avó, amiga e companheira, que nos deixou, na viagem que fez para o convívio com o eterno, partindo mansamente no domingo, dia 21 de outubro. A sua fé em Cristo, o seu amor a Deus e a sua devoção à Nossa Senhora fazem-na viva na eternidade desse Amor, pois os braços que nos acalentaram e os seios que nos deram de mamar perenizam o seu sorriso sempre que chamada, carinhosamente, de mamãe.
Tive uma visão sublime dessa mulher que soube ser mãe de treze filhos. Faz tanto tempo, mas parece ontem, ainda que no oitavo dia de sua despedida final. Faço esse relato, bem pessoal, mas de filho para mãe. Fato ocorrido no aniversário de sua neta Bernadete, quando, exultante, comemorava quinze anos de idade. No início da noite, na D. Vítor. Ela, a nossa mãe e avó, vencera todos os percalços e viera até esta nossa Imperatriz. Eis o relato:
"Ela chegou assim. Como assim? Arrastando os pés, com ar de cansada. Não sei se da longa viagem que fez para até aqui chegar. Entrou por aquela porta. Eu, seu filho primogênito, pude perceber a imensidão do tempo que se passou. Na sua fisionomia, marcada pelos inúmeros vincos da luta, estava assinalado o mais profundo sentimento de vida: o amor. Veio como César, mas vestida na simplicidade de uma rainha, normalmente denominada do lar. Atravessou o Rubicão com a força guerreira de César, para viver a alegria que o filho estava vivendo. Que a neta - parte do seu sangue - também estava a viver.
Pois é: chegou sorrindo o riso alegre da alegria sua e de todos. O cansaço do tempo e de toda a vida se dilui na sua imensa vontade de vencer distâncias, mas de estar ali rejuvenescida pela absoluta certeza de ser mãe. Por isso mesmo, devia estar ali. Ainda que encanecida pelo tempo, que poetas românticos insistem em simbolizar como a névoa que embranquece os cabelos arredios e denunciadores da sua eterna luta. Ainda assim, vem vaidosa pelo árduo desempenho dessa difícil e quase impossível missão: ser mãe.
Eu a vi chegar. Durante todos esses anos, não havia percebido o quanto a amava. Fisicamente, ela já fora mais bela. Não puxava da perna. Não tinha o rosto estriado. Não falava cansada. Aliás, bradava como se fosse um general de brigada. E todos - os 13 - sabem: os 13 filhos - acatavam as ordens, com a relutância normal de todo filho. Mas percebi nitidamente o quanto continuava integralmente bela no seu papel de mãe, que ela, com todas as intempéries, jamais abdicou.
Todas são assim: rainhas e plebéias, ao mesmo tempo. Mandam e pedem. Suplicam. Choram. Riem. Abraçam o filho que volta de uma simples viagem como se estivesse retornando do infinito. - Pois é, faz lembrar a minha Jacirema, quando o Aureliano fez a bobagem de realizar uma viagem à Inglaterra. Não houve mais sossego. Pois é. Recebe o filho como se fosse o pródigo. E ainda que esteja saindo da penitenciária, por ter praticado um desses crimes hediondos, propagados pelos meios de comunicação, lá está esse misto de dor e amor, bem à porta, sem expressar qualquer sentimento de vergonha, mas, pelo contrário, de júbilo, a reverenciá-lo como se ele estivesse saindo do paraíso.
Não há como explicar: é algo profundamente divino.
O seu caminhar a faz percorrer os mais diversos caminhos. Ora ladeados de rosas, ora de espinhos, de risos ou de escárnios. Ora alegres, ora tristes. Mas fiel à sua missão. Pois é: a sua tarefa tem esse sentido missionário, cuja pregação não se exaure no tempo. Aliás, não há tempo. Isso mesmo: a sua missão é atemporal. Prolonga-se durante a vida e eterniza-se com a morte, onde se dá o milagre da ressurreição, com a disseminação da vida e do amor, que foram por ela plantados, adubados e regados com a insistência e o carinho dos grandes jardineiros.
Modelo de mãe é sempre o mesmo. Deus estabeleceu parece que um paradigma para o universo, que se concretizou na figura de Maria. Assim é na China, na Rússia, nos Estados Unidos, no Japão, na Arábia, aqui onde estamos. Mãe de rico. Mãe de pobre. Mãe de presidiário. De empresário. De padre ou de freira. De sem terra ou com terra. É sempre a mesma mãe, consagrada na entrega, ao aceitar o anúncio do nascimento de Jesus, e prontamente responder: "- Eis aqui a serva do Senhor. Aconteça-me segundo a tua palavra" (Lucas). Daí em diante a consagração da alegria e da dor, sentimentos contraditórios que só o coração de mãe suporta conter dentro de si, até o último momento, quando as forças lhe abandonam para a travessia definitiva.
Por isso, eu vi a minha mãe, naquela figura narrada no início, porque, através dela, já um tanto alquebrada pela luta, vi todas as mães, conscientes da sua eterna e inexaurível missão de amar."
É esta mãe, neste momento de perda física, que queremos sempre lembrar e reverenciar. Que ela tenha a paz eterna do amor que dedicou a todos nós. Damos-lhe um enternecido beijo, ósculo de todos que a amaram. Que o desenlace físico seja apenas a saudade de não tê-la mais entre nós! Porém, jamais a revolta da perda; fica apenas o sentimento da dor da saudade.

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