Ela chegou assim. Como assim?! Arrastando os pés, com ar de cansada. Ainda não sei se da longa viagem que fez para vir até aqui. Entrou por aquela porta. Pude perceber a imensidão do tempo que se passou. Na sua fisionomia, marcada pelos inúmeros vincos e rugas do tempo, estava cinzelado o mais profundo sentimento de vida: o amor. Veio como César, mas vestida na simplicidade de uma rainha, normalmente denominada de rainha do lar. Direi, evitando o lugar-comum: simplesmente rainha do amor. E muito mais que isso, em que pese o termo que a reduz ao ato de servir, mas que reina servindo a tantos súditos. É a única rainha, que faz do reinado um ato de absoluta doação. Apenas serve com abnegação. O cansaço lhe dilui as forças, porém não lhe retira o império da maternidade. Assim, atravessou o Rubicão como a ostentar a força guerreira de César, para viver a alegria do filho, homem ou mulher. Para ela não há diferença. Apenas dissemina o amor que devota, como missão profética: ser apenas mãe.
Pois é: chegou sorrindo o riso alegre da alegria sua e de todos nós. O cansaço do tempo e de toda uma vida se fortifica na imensa vontade de vencer distâncias e de estar ali rejuvenescida pela absoluta certeza de ser missão materna. Por isso mesmo, devia estar ali. Ainda que encanecida pelo tempo, que poetas do passado teimavam em simbolizar como a névoa que embranquece os cabelos arredios e denunciadores da sua eterna luta. Vem vaidosa pelo árduo desempenho dessa difícil caminhada, cujo itinerário atravessa jardins, desertos e tempestades. Ela é assim: única e universal.
Eu a vi chegar. Durante todos esses anos, não havia percebido o quanto a amava. Fisicamente, ela já fora mais bela. Não puxava da perna. Andava majestosa. Não tinha o rosto estriado, consumido pela labuta de me ter filho. As palavras se lhe saíam com imperativos carinhos. Às vezes, bradava como se fosse um general. E todos - os 13 - sabem: os 13 filhos - acatavam as ordens, com a relutância normal da intemperança da idade. Mas percebi nitidamente o quanto continuava integralmente bela no seu papel de mãe, que ela, com todas as batalhas enfrentadas, jamais abdicou.
Mãe jamais abdica de ser mãe.
Todas são assim: ao mesmo tempo, rainhas e plebeias. Mandam e pedem. Suplicam. Choram. Riem. Rezam. Abraçam o filho que volta de uma simples viagem como se estivesse retornando do infinito, perdido na saudade do inalcançável. — Pois é, fazem-me lembrar a minha Jacirema, 39 anos caminhando juntos os mesmos caminhos, quando o Aureliano, o primogênito, ainda adolescente, saiu do aconchego de casa para o mundo, indo passar uns longos dias na Inglaterra. Não houve mais sossego. O contato era diário. Assim, todas são iguais. — Recebem o filho como se fosse o pródigo. E ainda que esteja saindo da penitenciária, por ter praticado um desses crimes denominados hediondos, tão propagados pelos meios de comunicação, lá está esse misto de dor, ternura e amor, bem à porta, sem demonstrar qualquer sentimento de vergonha, mas de incontido júbilo, a reverenciá-lo como se ele estivesse saindo do paraíso, recebendo-o de braços abetos e sorriso ou choro de tê-lo consigo para sempre.
Não há como explicar: é algo profundamente divino.
O seu caminhar o faz percorrer os mais diversos caminhos. Ora ladeados de rosas, ora de espinhos, de risos ou de escárnios. Ora alegres, ora tristes. Mas fiel à sua missão. Pois é: a sua tarefa tem esse sentido missionário, cuja pregação não se exaure no tempo. Aliás, não há tempo. Isso mesmo: a sua missão é atemporal. Prolonga-se durante a vida e eterniza-se com a morte, onde se dá o milagre da ressurreição, com o espargir da vida e do amor, que foram por ela plantados, adubados e regados com a insistência e o carinho dos grandes jardineiros.
Modelo de mãe é sempre o mesmo. Deus estabeleceu parece que um modelo único para o universo, que se concretizou na figura de Maria: – “Alegra-te, cheia de graça, o Senhor está contigo; bendita és tu entre todas as mulheres. Não temas, Maria, porque encontraste graça diante de Deus. E Ela: “Aqui está a escrava do Senhor; faça-se em mim segundo a tua palavra!” Assim, nasceu o sagrado compromisso de todas as mães. Na China, na Rússia, nos Estados Unidos, no Japão, na Arábia, aqui onde estamos. Mãe de rico. Mãe de pobre. Mãe de presidiário. De empresário. De operário. De padre ou de freira. Ou de pastor. De sem terra ou de com terra. São sempre as mesmas, lavradas no sentimento eterno de amar.
Por isso, eu vi a minha mãe, naquela figura narrada no início, porque, através dela, já um tanto envelhecida pela luta, e ainda mais envelhecida, vi todas as outras mães, conscientes da sua infinita e sagrada missão de ser mãe.
P.S.: Republico esta crônica com relevantes modificações.
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