Depois de Getúlio Vargas, Luiz Inácio Lula da Silva é um dos maiores líderes populares da história do Brasil. Com uma grave diferença, Getúlio foi ditador, que, em que pese ter comandado o Estado Novo, impôs uma legislação social, de amparo aos direitos do trabalhador, cuja justiça especial, a Justiça do Trabalho, começou a atuar em todo o território nacional a partir do dia 1.° de maio de 1941, para atender a uma demanda reprimida, com destaque para as demissões sem justa causa e reclamações de trabalhadoras grávidas, que pediam proteção que a lei, que passou a viger, lhes garantia. A classe abastada, patrimonialista, conservadora e reacionária, não aceita essa conclusão. Vive reclusa no seu palacete de privilégios, tal qual Maria Antonieta do brioche, olhando através da viseira do egoísmo, para dentro do seu próprio umbigo. Mas, na concepção marxista, enquanto houver capital e trabalho, essa dicotomia refletirá as contradições sociais na permanente luta de classe, conflito inerente a toda e qualquer sociedade.
Dizem os historiadores que Tocqueville, durante uma viagem que fez a Inglaterra, ficou impressionado com o contraste social que se fazia entre a miséria espantosa das massas, compostas pelos desafortunados, e a opulência de uns poucos, deixando escapar uma exclamação de alto significado: "Aqui o escravo, lá o patrão; lá a riqueza de alguns, aqui a miséria da grande maioria." Se Tocqueville saísse do túmulo e desse uma chegada por aqui, não mudaria o seu discurso exclamativo. Os poderosos continuam cada vez mais poderosos, e os pobres mais explorados. E ai daquele que se insurgir contra esses privilegiados, comerá o pão que o diabo amassou. No passado, Tiradentes, condenado, enforcado e esquartejado, sob a justificativa de um legalismo vigente de então; e quantos aplaudiram, ou, pior, adotaram o conformismo individualista, ou, ainda, aceitaram a verdade imposta pelo situacionismo dominante; no presente, uns poucos, condenados seletivamente, sob os mesmos aplausos e acobertados pelo mesmo silêncio conformista. E história se repete cotidianamente. Sobretudo, como farsa.
Mas deixemos Getúlio e Tocqueville de lado. Ambos passaram definitivamente para a história. Vargas foi obrigado pelas circunstâncias, para não ser humilhado pelos seus sequiosos acusadores, a dar um tiro no peito, cujo troar do estampido repercute até os dias de hoje. Já Tocqueville deixou uma monumental obra sobre a democracia, que o eterniza no pedestal dos grandes homens e pensadores.
Lula - Luiz Inácio Lula da Silva, quer Moro queira ou não queira, quer a classe reacionária conversadora queira ou não, já tem o seu lugar na história, não em face dessas esdrúxulas condenações, mas em razão de ter participado na construção da democracia brasileira. Lembro dos anos 80. Precisamente 1984. O ano em que o movimento das "diretas já" ganhou as ruas, arrastando um caudal de devorados cidadãos brasileiros. Lula, líder sindical que saía do ABC paulista, comandando as grandes greves contra os poderosos capitalistas, que haviam participado ativamente do golpe de 1964, com um discurso forte, grave, voz possante, de manga de camisa, na sua permanente indumentária de operário, clamava, nos palanques espalhados por todo esse Brasil, pela aprovação da emenda constitucional das eleições diretas para presidente da República, a emenda Dante de Oliveira. Ao lado dele, o grande timoneiro Ulisses Guimarães, o governador Leonel Brizola, Mário Covas, Franco Montoro, José Richa, Renato Archer, Iris Resende e, entre tantas figuras históricas, o autor da emenda constitucional, Dante de Oliveira.
À época, construía-se em Imperatriz uma grande força política. Havíamos feito o comício das diretas na praça Brasil, com uma intensa participação popular. Presentes Ulisses Guimarães, Dante de Oliveira, Renato Archer, Íris Resende e todas as lideranças políticas locais - as antigas e as em formação. Vimos em caravana a São Luís e, aqui, participamos, de um grande evento em frente à Biblioteca Pública, na praça Deodoro. Entre os oradores daquele memorável evento, na luta pelo exercício da plena cidadania, Ulisses Guimarães, Lula e Maria da Conceição Tavares, a nossa eterna economista.
A partir do movimento das diretas, arduamente combatido pelas forças conservadoras, ainda hoje encasteladas no Estado brasileiro, gozando das suas benesses, foi que foi possível darem-se passos decididos para democratização do País, objetivando a queda do colégio eleitoral, embora, no dia 25 de maio de 1984, a emenda das diretas tenha sido derrotada pelos conservadores no Congresso Nacional. Tancredo Neves quebra o colégio eleitoral e vence as eleições, mas não leva. Morre antes da posse. Um golpe duríssimo para a cidadania brasileira. Após dois mandatos de Fernando Henrique Cardoso, que governou de costas para o povo, e atendendo aos interesses econômicos do mercado, o metalúrgico das greves do ABC paulista e das "diretas já" se elege presidente da República. Faz um governo de absoluta inclusão social. Com fortes programas sociais, valoriza os menos favorecidos. A classe conversadora não pode suportar isso, porquanto a relação deve ser entre capital e trabalhador, ou seja: entre casa grande e senzala. E o Brasil volta ao passado, estabelecendo-se a cruel equação firmada no excessivo patrimonialismo de uns poucos e na carência de muitos. 
 
*Membro da AML e AIL.