Fiquei na dúvida se no título colocaria o ponto de exclamação. Relutei. Mas, por via das dúvidas, resolvi fazer uso desse sinal exclamativo. Por quê, não me perguntem. Não sei. Continuo na dúvida. E, por estar na dúvida, melhor recorrer a ele, até porque a exclamação se encontra desprezada nos dias de hoje. Não muito distante no tempo, os jornais gostavam de fazer uso da exclamação, a evocar a atenção do leitor sobre alguma matéria sensacionalista. Agora, não há essa necessidade. Tudo, quando não é fake news, são assuntos corriqueiros. E, por isso mesmo, não há exclamação que consiga torná-los mais atraentes. São lidos por mera curiosidade masoquista ou puro sadismo. Muitos ficam felizes com o relato da miséria dos outros. Ainda têm a insensatez de colocar a culpa em Deus. Se a polícia mata dois ou três bandidos, vituperam a toda força: graças a Deus! Como se Deus tivesse algo a ver com essas macabras histórias. Com justa razão, os editores passaram a desprezar o ponto de exclamação na primeira página e muito menos na última, ora reservada para esporte ou para matéria policial. Uma vez que não faz nenhum mal a ninguém, deixemos lá em cima, quieto, o sinal de exclamação. 

A ideia do título, e mesmo do tema deste texto, não é minha. Aliás, devo ressalvar que nada do que escrevo é original. Desde os romanos e gregos ninguém conseguiu ser mais tão original. Nem Balzac que produziu um monumento literário. Somos repetitivos com algumas inovações, ou temáticas ou de estilo. Muitos se saíram singularmente bem nesse processo mutativo. A exemplo, o nosso grande Machado de Assis, que, para poder ser o que foi, teve que se abeberar na cultura francesa e inglesa, tornando-se um dos maiores romancistas e contistas da literatura universal.
O que tem a ver linotipista com essa história toda? Simplesmente nada. Embora tenha sido, em boa parte de minha vida linotipista, mas o alerta me veio de uma leitura de Clarice Lispector. Estava lendo o livro Todas as crônicas, recém-lançado pela Editora Rocco, quando me deparei com o seguinte texto de Clarice: "Ao Linotipista, Desculpe eu estar errando tanto na máquina. Primeiro é porque minha mão direita foi queimada. Segundo, não sei por quê. Agora um pedido: não me corrija. A pontuação é a respiração da frase, e minha frase respira assim. E se você me achar esquisita, respeite também. Até eu fui obrigada a me respeitar. Escrever é uma maldição."
A revolta de Clarice é tipicamente clariceana. Quando ela começou a escrever crônicas para o Jornal do Brasil, publicadas no Caderno B, tinha sempre a preocupação repetida com os seus textos, sobretudo com a pontuação e recomendava: "Minha pontuação é a minha respiração." Em razão dessa preocupação obsessiva, as suas crônicas, entregues datilografadas em uma via (a cronista não usava carbono), ficavam aos cuidados da escritora Marina Colassanti, que tinha o extremo desvelo de guardá-las para que não houvesse extravio.
Por aquela época, tendo sido linotipista e também revisor, tenho a facilidade de compreender a advertência de Clarice Lispector. A profissão de linotipista era considerada no meio gráfico uma atividade um pouco mais nobre. Linotipista era aquele operário que exercia o seu labor no comando de uma máquina denominada de Linotipo (ou Linotipe). Essa máquina era toda estruturada para transpor para as linhas de chumbo o texto jornalístico (em se tratando de jornal) ou texto do escritor (em se tratando de editora).  A atividade do linotipista era meramente de transcrever o que estava escrito, procurando errar o menos possível e ter um pouco de rapidez na produção do trabalho. O linotipista se autodenominava um conhecedor da língua portuguesa. E boa parte desses profissionais tinha esse conhecimento. Se desse um escorregão, errando, havia de imediato um coro de gozação. Ninguém podia errar, mas apenas enganar-se. Então, era melhor acertar. Eu fui um razoável linotipista. Nossos jornais e gráficas tiveram eficientes linotipistas, como Zé Ferraz, Carneiro, Walter, Caio, Grilo, Amor, Manelzinho, Ipojucan, Expedito Moreira, Aradian, Ferdinando, Lobão, Virgílio, César etc. Todos excelentes profissionais que ajudaram a fazer os nossos jornais e a construir a indústria gráfica do Maranhão.
O linotipista, em razão dessa cultura de não errar, tinha essa mania de, aqui e acolá, mexer num texto, por entender que estaria corrigindo algum erro do seu autor. Na maioria das vezes dava certo: noutras, não. Lembro que certa vez fui fazer o jornal O Dia. Quem era o secretário da redação era o grande poeta Carlos Cunha. Já estávamos fechando a primeira página, por volta de umas onze horas para meia-noite. Trabalhava numa máquina modelo 31. Uma excelente máquina. Para tapar o buraco e fazer o fechamento, Carlos Cunha redigiu um pequeno texto onde, por engano, escrevera empossar em vez de empoçar. Transcrevendo-o para linha de chumbo, percebi o engano e corrigi. O poeta secretário veio falar comigo e, sabendo que eu era estudante do Liceu, riu e, às gargalhadas, se referiu à correção, dizendo que eu tinha percebido o erro. Respondi que não fora erro, mas apenas um equívoco, próprio do fechamento do jornal.
As preocupações de Clarice eram porque seus textos (crônicas) seriam publicados em jornal, onde figura do linotipista, em alguns momentos, rivalizava-se com a do revisor. Em editora, ainda na época da Linotipo, era bem diferente. A responsabilidade maior da correção ortográfica era do revisor. Então, todo cuidado teria que ser pouco. O texto do escritor teria que ser respeitado, sobretudo as pontuações. Era a regra a ser seguida. 

"Membro da AML e AIL.