"Lia
Morreu na manhã dessa
quinta-feira, 13, a servidora
do município de Imperatriz,
Maria Evangelista Sousa,
mais conhecida por Lia, de
67 anos. Ela era uma das
servidoras mais antigas do
município, já tendo trabalhado
em várias outras administrações.
Lia morreu em decorrência
de um câncer.
Nossos pêsames à família
enlutada."


Assim foi dada a notícia do falecimento de Lia. Ao ler o texto na coluna Fora da Pauta, lembrei de Clarice Lispector: "E repentinamente a história se partiu. Nem teve ao menos um fim suave. Terminou com a brusquidão e a falta de lógica de uma bofetada em pleno rosto." Essa repentina partida é como se Lia fosse, cansada das nossas conversas, deitar para dormir o sono eterno daqueles que seguem por outro caminho e não voltam mais, deixando um lapso de saudade. E aí, perdido nessas reminiscências iniciais, volto a Machado que diz existir uma curta ponte entre a vida e a morte. Mas, uma verdade que nos amedronta: todos nós, queiramos ou não, estamos cotidianamente, cada segundo cada minuto, diante da morte. A vida e a morte nos pregam a peça da efemeridade existencial. E nos dizem: somos eternos, enquanto é possível viver essa passageira eternidade. Não há côo escapar dessa fatalidade. Lia partiu, ainda jovem. Apenas 67 anos de idade. Um câncer que surgiu do nada lhe retirou anos infinitos de vida, que poderiam ter sido e que não foram. Como pofetiza Manuel Bandeira: "A vida inteira que podia ter sido e que não foi". No entanto, me vem o ímpeto insensato de contrariar a lógica poética de Bandeira e logo direi, com a veemência dos inconformados: - Mas foi! E como foi! Lia, do cantinho de sua vida, fez capítulo de história, como mulher, mãe, amiga, servidora pública, profissional competente, abnegada aos amigos e familiares, humana, ética e sempre disponível a servir. Fez da sua vida um ato de servir com extrema e dedicada competência. Eu a conheci de perto, em vários momentos de sua vida. Foi minha querida e presente vizinha. Anos e anos morando bem ao lado de minha casa na Fortunato Bandeira. Fabrício, seu filho, amigo de infância de Thiago. Uma hora ou outra, ouviam-se os seus gritos: - Thiago! - Fabrício! Um a chamar o outro. E haja conversa de criança que só elas mesmas sabem o que dizem e entendem.
A morte é esse fantasma, tão presente, que nos atormento do nascimento ao fim. Porém, é tão poderosa, que não discrimina os bons dos maus, os ricos dos pobres, os alegres ou os tristes, os egoístas e os solidários, Madre Teresa de Calcutá ou Hitler. É tão poderosa que nos iguala no seu momento de chegada, para nos dizer enfaticamente que é a hora da partida. Às vezes, na certeza da vida eterna, ela, a morte, não nos dá tempo de refletir sobre o que somos, o que fomos e o que fizemos. A sua aproximação não nos tira a certeza de viver a eternidade de uma vida sem fim. Eis, então, que ela chega. E pronto! Somos arrastados da convivência. Passamos a ser restos de saudade.
William Douglas, ao escrever A última carta, quando se encontrava no fundo do mar no submarino nuclear russo Kursk, numa profundidade de 108 metros, fala da iminência da morte à sua mulher e na esperança e no desespero da fatalidade, diz que descobriu que o sentido da vida é ela mesma, sem necessidade de objetivos nobres nem realizações grandiosas, sendo apenas três as jornadas dignas da palavra "humano": aprender, servir e sentir prazer.
A minha querida amiga Lia, vizinha de tantos anos de convivência, aprendeu, ensinou, serviu e sentiu o prazer da vida. Na carta que fez à mulher, com razão Douglas: "Toda a vida é uma escola infinita." E Deus fica feliz - disso tenho certeza - quando fazemos da vida um prazer de ser vivida. Lia demonstrava essa infinitude do prazer. Ainda quando acometida da doença, nos encontramos em São Luís e em Imperatriz. Nunca desanimou. Lutava o combate que foi a marca de sua vida, avessa ao desânimo, certa que viveria a eternidade de todos os tempos. Assim, era Lia. A desconhecida Maria Evangelista de Sousa. Lia de Fiquene. Do Cantão, point da época do Balaio. Lia da Escola Técnica. Lia da Faculdade de Imperatriz. Lia da Prefeitura, conhecedora de todos os caminhos da contabilidade pública. Lia, mãe amorosa e amada. Lia, amiga de Jacirema. As duas conversando horas a fio. Lia, dos idos da FESI, às voltas sempre com as folhas de nosso exíguo pagamento. Lia, que foi chorada por muitos na sua partida.
Como ela rezou por mim, rezei muito por ela. Mas Deus disse: - Esse é o momento. Chega da contabilidade dos homens. Venha ajudar-Me na contabilidade divina, na difícil separação do joio do trigo. E foi-se, com o aceno triste da despedida. Por essa partida, deixo aqui a minha saudade, com a certeza de que ela descansará na eternidade do reino de Deus.