Onde andará Mariazinha? Onde andará Seu Oscar? Onde andará a mulata assanhada, que passa com graça fazendo pirraça fingindo inocente e tirando sossego da gente? Onde andará Amélia, aquela que era mulher de verdade? Onde andará o imenso sambista Ataulfo Alves? Ainda lembram? Alguns afirmam, com inteira convicção, que Ataulfo se encontra na última morada do esquecimento. Será? Atire a primeira pedra aquele que tem certeza de que está certo. .Pois é, falam tanto. Dizem tudo o que querem sobre esse inesquecível ícone da música brasileira. Como disseram Ataulfo e parceria: Sei que vou morrer não sei o dia / Levarei saudade da Maria / Sei que vou morrer não sei a hora / Levarei saudade da Aurora. E conclui magnificamente bem: Eu quero morrer numa batucada de bamba / Na cadência bonita do samba / Mas o meu nome ninguém vai jogar na lama / Diz o dito popular / Morre o homem, fica a fama. Pois é, mesmo que tenham falado tanto, a fama desse mineiro de Miraí permanece. Todos nós erramos. Erramos, sim. Na voz de Dalva de Oliveira, que imortalizou essa canção de Ataulfo, feita exclusivamente para ela em resposta à polêmica que manteve quando da sua separação de Herivelto Martins, em que os segredos de alcova saíram das quatro paredes.
Nesta sexta, acordei pensando e ouvindo Ataulfo Alves. A sua inesquecível obra. Duas das mais lembradas são “Ai, que saudades da Amélia”, que compartilhou com “Praça Onze” o troféu de melhor samba do carnaval de 1942, cujo tema trata da mulher fútil e da mulher submissa: “Você só pensa em luxo e riqueza/Tudo que você vê/Você quer” – “Às vezes passava fome ao meu lado/E achava bonito não ter o que comer.” e “Meus tempos de criança”, na qual Ataulfo lembra do tempo em que vivia em Miraí, ao lado do seu pai, que era um violeiro e repentista. Dele herdou os seus dotes musicais, que os aperfeiçoou na convivência com grandes sambistas, como Bide, autor de “Agora é cinza”, que foi o seu padrinho musical.
Um pouco de Ataulfo Alves:
Nasceu em Miraí, Minas Gerais, em 2 de maio de 1909. Veio ainda muito jovem para o Rio de Janeiro, onde faleceu em 20 de abril de 1969, antes de completar 60 anos. Causa: uma cirurgia de vesícula. Foi considerado por Ary Barroso, autor de “Aquartela do Brasil”, ao ser perguntado, no ano de 1950, pelo escritor e cronista Paulo Mendes Campos, como maior compositor brasileiro da música popular. Em 1953, a revista Manchete, ao fazer uma enquete para saber quais seriam os dez maiores sambas do Brasil, de todos os tempos, Em primeiro lugar, estava o famoso “Aquarela do Brasil”, e, em segundo lugar, nem Noel Rosa, nem Ismael Silva, nem Sinhô, nem Wilson Batista, este o da polêmica célebre com o Poeta da Vila, mas deu Ataulfo com “Ai, que saudades da Amélia”. Samba que emplacou no carnaval de 1942 e atravessou o tempo para ficar em definitivo no rol da fama da história da música popular brasileira.
Segundo os biógrafos, entre esses Sérgio Cabral, o pai (não confundir) e João Máximo, era um homem discreto, bom marido, tendo casado com Judith, em 1928, sua namoradinha. Pai de quatro filhos, que foram bem criados. Entre os quatro, o seu sucessor artístico no nome, na voz e na elegância: Ataulfo Alves Jr. Era uma artista que se vestia com absoluta elegância, razão pela qual o colunista Ibrahim Sued tê-lo escolhido por várias “um dos dez mais elegantes” E, numa época em se dava primazia aos cantores de grandes vozes, como Francisco Alves, Orlando Silva e Sílvio Caldas, Ataulfo foi o primeiro a quebrar essa lógica, concentrando em torno de si mesmo as funções de arranjador, produtor, compositor e cantor, sem deixar de lado talentos de qualidade ainda insurgente como Jacob do Bandolim. 
Isso é apenas um pouquinho do grande Ataulfo.
Mas a lembrança vai mais longe. Atravessa todo um tempo de alguns anos. Na faculdade de Direito, da rua do Sol, quando havia uma janela entre as aulas, estávamos lá preenchendo o espaço com os sambas de Ataulfo Alves. Não passou tanto. Parece que foi tudo ontem. Éramos: Barreto, o percursionista, Cartágenes, violonista, sem violão, Fabiano, Guimarães e este escriba. Não sei se Salim, com a sua voz de barítono, participava. Não faltavam na nossa ânsia de fazer o tempo passar e ser um pouco de Fundo do Quintal, ainda inexistente, “Leva meu samba” (Leva meu samba/Meu mensageiro/Este recado para o meu amor primeiro/ Vai dizer que ela é/A razão dos meus ais), “Atire a primeira pedra” e a indispensável e obrigatória “Ai, que saudades da Amélia”. Olhe, que nós, embora precariamente, não desafinávamos. Tínhamos ritmo e harmonia, digamos. Ataulfo nos possibilitava esses arroubos musicais. E, recorrendo a ele: eu daria tudo tivesse pra voltar a esses tempos, onde a solidariedade, o respeito, a amizade traçaram um vínculo de afetivo inesquecível.

* Membro da AML e AIL.