Marielle Francisco da Silva, conhecida como Marielle Franco, foi socióloga, feminista, defensora dos direitos humanos, política brasileira, e, nesta condição, exerceu a função de assessora parlamentar por mais de uma década, além de ter sido a 5ª vereadora mais votada nas eleições municipais do Rio de Janeiro, de 2016. Em face da sua intransigente defesa desses valores humanos, Marielle, vereadora do PSOL, foi brutalmente executada por bandidos, até este momento não identificados pela nossa diligente Polícia Judiciária brasileira e pelo nosso combativo Ministério Público. Apenas lamenta-se. Assassinato ocorrido no dia 14 de março de 2018, numa noite de muita iluminação, com a filmagem de todos os passos hediondos da cruel execução, processada como se fosse capítulo de novela de TV, no bairro do Estácio, a 300 metros do prédio da prefeitura da cidade do Rio de Janeiro. Crime visto e revisto em todo o seu íter, porquanto filmado ao vivo, inclusive constatando-se o uso de celular pelos facínoras, mas insolúvel, ou apenas objeto de ingênuas especulações, com a finalidade de fazer o tempo passar, caindo-se assim no desejado esquecimento. Um belo dia, em circuito fechado de palestra para uma elite de intelectuais ou de pseudos intelectuais, vagamente alguém se lembrará do crime que enlameou a história dos direitos humanos no Brasil. - Não é aquela lésbica?!, afirma com sarcasmo. Para voltar de imediato ao seu mutismo de total alienação.
Sobre o tema de cima, muito mais importante do que discutir Bolsonaro ou Alckmin, duas figuras que representam o pior conservadorismo em terras brasileiras, a revista Cult lançou no mês de julho a edição n.° 236, em que a matéria de capa/especial é sobre Marielle Franco, parlamentar negra e ex-moradora da favela da Maré, cuja dissertação de mestrado - UPP - A redução da favela a três letras: uma análise da politica de segurança pública do estado do Rio de Janeiro, transformada e editada em livro, será lançada no dia 10 de agosto. Esse estudo dissertativo desmascara a falácia das UPPs. É bom conferir.
O texto da Cult diz que a execução de Marielle foi um espetáculo de horror. O assassino profissional usou uma submetralhadora de 9mm, de exclusividade das forças de segurança (policiais militares e federais). Em um segundo, foram disparados sete tiros. Marielle foi atingida quatro vezes: entre olho direito e o pescoço. O motorista da vereadora, Anderson Gomes, também foi vítima da carnificina. Toda a investigação está sob a responsabilidade do governo golpista de Temer, já que o estado do Rio vive uma intervenção militar desde fevereiro de 2018, onde já foram gastos bilhões de reais, sem nenhum reles resultado, a não ser assassinatos pobres favelados. A impunidade é a regra.
Além da Cult, a Editora Geração, em edição deste ano, lançou o livro Rio sem lei - como o Rio de Janeiro se transformou num estado sob o domínio de organizações criminosas, da barbárie e corrupção política. Obra de autoria de Hudson Corrêa e Diana Brito. Esse trabalho que estou lendo, trata, de forma histórico-analítica, da execução da juíza Patrícia Acioli, de Marielle Franco, da máfia dos jogos, do poder do narcotráfico e das narcomilícias e finaliza examinando o trabalho realizado pela juíza Patrícia Acioli, executada com vinte e um tiros, tendo em vista presidir ações penais contra a corrupção na Polícia Militar, exercendo a sua função jurisdicional nas sucessivas condenações desses militares. O processo de execução, tanto da juíza como da vereadora, segue o modelo mafioso. Havendo obstáculo, principalmente quando o crime está enraizado nas instituições estatais, trucida-se esse obstáculo. No assassinato da magistrada, conseguiram chegar aos seus executores. Tudo bem. O crime chocou o Brasil inteiro. Assassinou-se uma juíza, honesta, como tem que ser todo magistrado. Mas... foi executada uma juíza. Quanto a Marielle, esta, em que pese a repercussão, uma negra, ex-moradora de favela, representante de interesses femininos e defensora dos direitos humanos. Ora bolas!, o tempo apagará da memória a sua vida, a sua luta, a sua hedionda morte. Não satisfeitos, destilam o ódio reacionário: ela estava vinculada às milícias. Maldade! Que nada! Um diz aqui, outro acolá, e a maldade vira verdade. E nada de se apurar nada, mesmo com toda técnica científica de investigação dos dias de hoje. Para concluir este relato que serve apenas para lembrar, recorro a esta passagem do citado livro Rio sem lei: "Enquanto este livro ia para gráfica, os investigadores afirmaram que os criminosos usaram balas desviadas da Polícia Federal e atiraram com uma submetralhadora calibre nove milímetros, restrita às forças de segurança. Outros bandidos já haviam utilizado parte da munição roubada da PF em atrocidades pelo país. Em agosto de 2015, as dezessete vítimas da chacina da região de Osasco, a maior da história de São Paulo, morreram alvejadas por balas do mesmo lote, na ação de um grupo de extermínio formado por policiais." Pasmem: grupo de extermínio formado por policiais! Não há dúvida: a partir dos movimentos elitistas pré-empeachment, instalou-se no país um clima de revanchismo social e racial. Pobre é favelado e bandido; rico é empreendedor e pagador de tributos para o Estado, portanto pessoa honrada. E assim caminha a insensatez, desde antes dos romanos até chegar aos nossos conturbados tempos. Que diga Marielle em contraponto a Patrícia Acioli. Nada de novo no front. Como sarcasticamente cantou o Sr. Marum, homem de confiança de Temer: tudo está em seu lugar.
* Membro da AML e AIL