Parodiando a velha canção de Flávio Cavalcanti, quero dizer-lhe que, dentre as manias que tenho, uma é de ler jornais velhos. Leio-os com a sofreguidão, como se tivessem a força renovadora de fazer as notícias passadas ficarem novas. O pior: acumulo-os aos montes, sem o tempo da leitura do dia a dia. Recuso-me a jogá-los fora sem pelo menos passar uma vista dolhos neles, escolhendo os assuntos para os quais dedicarei mais atenção. É uma necessidade, quem sabe, psicótica, de só deles me desfazer, a depender da matéria, ou ainda do texto, após passar as suas páginas. Sofro o encantamento dos jornais velhos. Já os li nos bondes, depois nos ônibus, de certa feita, em trens, quando estava no Rio. Só não consigo fazer a leitura em avião. Fico inquieto. Não me concentro. Ultimamente, me apaziguo com um Lexotan. Uma pilulazinha, à primeira vista insignificante, mas que me dá relativa tranquilidade. Assim, tenho alcançado algum êxito de fazer rápidas leituras em voos. Mas nem sempre o truque dá certo. Na maior parte das vezes, não consigo acalmar-me e concentrar-me. Pensarão então: – Esse sujeito é um frouxo, ou metido a besta. Justifico. Não é bem assim. Se o avião está nas alturas, e eu daqui de baixo, confesso-lhes que não tenho nenhum tormento. Porém, se estou nele, a situação é bem diferente. Dizem, em meu benefício, que só tem medo quem tem coragem. Sou humano, bem humano, fragilmente humano. Daí padecer, como muitos, do medo de avião. Ainda bem que faço parte de uma minoria. Já pensaram se fosse maioria. Não haveria companhia de aviação que resistisse. Estava fadada à falência.
Mas os jornais velhos ou novos me propiciam rever as notícias, os fatos que ficam enterrados em suas páginas e se perdem no tempo, embora não fujam da memória, quando conhecidos. Estou de férias. E férias representam descanso pago pelo empregador. Trata-se de um meio agradável de vagabundear. Sem as peias dos compromissos, vai-se para aonde se quer. Ando viajando. Não para tão longe. Estou bem aqui perto, em Carolina, terra hospitaleira dos familiares de minha mulher. Aproveito para colocar as leituras em dia. Livros, jornais, revistas, enfim tudo que tem letra e palavras escritas, desde Gutemberg. Tenho sorte: sou assinante de alguns jornais e recebo gratuitamente todas as edições de O Progresso, de Imperatriz. Por fácil dedução, sem ser esnobe, procuro ser bem informado, embora não assista ao Jornal Nacional (que desinforma). Além do mais, sou assinante da revista CartaCapital, excelente publicação de Mino Carta. É a minha vacina contra o reacionarismo destrutivo da Veja. Desculpem-me, gosto não discuto. Mas defendo os meus.
Vamos às leituras e jornais velhos. Dizem as folhas, integrantes da grande mídia, que o conflito na Ucrânia está brutal. Com crueldade derrubaram um avião, não de guerra, e sim de passageiros. Perto de trezentas pessoas assassinadas pela hediondez da luta pelo poder. Noticiam que o premiê inglês, o primeiro-ministro David Cameron, enfrenta grave pressão para instaurar um inquérito de larga escala, para investigar políticos que abusaram de crianças na década de 1980. Lá como cá, as coisas são quase iguais. A corrupção de valores é inata ao ser humano, segundo a Bíblia, desde Caim e Abel. Basta escolher de lado se fica. Bem escondidinho, na sétima página de um jornal, sem chamada de capa, fico sabendo que os Estados de Minas Gerais e Pernambuco, que foram governados por Aécio Neves e Eduardo Campos, estão com as contas públicas em vermelho. Isso simplesmente quer dizer: gastaram em excesso, havendo um desequilíbrio entre receitas e despesas. Assim, a dedução acaciana é que o roto não pode falar do esfarrapado. Passemos para Copa. Li as notícias antes, no curso e no fim da competição da FIFA. Voltei a lê-las. Diziam exultante: o Brasil estava terminantemente acabado. Apregoava-se o caos absoluto. E mais grave: a nossa pátria amada, como dizem os nacionalistas empedernidos, sucumbiria. Não sobraria pedra sobre pedra. Cabral, o Pedro Álvares, aquele que aportou aqui com as suas caravelas, preocupado com o apocalipse midiático, ficou inquieto e, passada toda a tormenta, mandou uma mensagem psicografada para um leitor da Folha, nos seguintes termos: “Se a Copa tivesse sido um fracasso, com caos em aeroportos, problemas de segurança, apagão, epidemia de dengue, colapso nos transportes e estádios inacabados, como a oposição e a mídia previram, a culpa seria de quem? Exclusivamente de Dilma e do PT. Hoje a Copa é considerada um sucesso dentro e fora do campo pela imprensa, pela FIFA e, mais importante, pelos brasileiros e pelos turistas estrangeiros. Agora o mérito é de quem?” O médium dessa mensagem cabralina: Cristiano Rezende Penha, Campinas, SP. Soube que Cabral se tranquilizou. O Brasil continua de pé, forte, vivo e altaneiro, e, o que melhor, desperto do berço esplêndido.
Em notinha envergonhada, de pé de página, quase invisível, tomei conhecimento de que o ex-senador, sem menção a partido, que ninguém é besta perder tempo com essas insignificâncias, foi autorizado pelo Supremo Tribunal Federal (em decisão liminar do Ministro Gilmar Mendes) a reassumir o cargo de procurador no Ministério Público de Goiás. O Catão da ética foi beneficiado pela concepção indeterminada de que o seu afastamento gerava insegurança jurídica. Ainda bem que o dólar nem desceu, nem subiu, e humor do mercado continuou estável. E alguém se atreveu a pensar: sorte dele não ser do PT. Se fosse, essa decisão não seria nem sonhada quanto mais ser um sonho impossível a ser sonhado.
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