As notícias se sequenciaram desde o dia 24 de junho, data comemorativa de São João, o santo dos festejos juninos, que me fazem lembrar das fogueiras que se enfileiravam, explodindo faíscas a distância, na ladeirosa rua de minha casa. As manchetes e chamadas dos jornais, tais quais faíscas das fogueiras, traziam inquietação. Graves inquietações. Cito algumas: do jornal O PROGRESSO, de Imperatriz: Justiça do Trabalho pode fechar em Imperatriz; Déficit em orçamento pode fechar Justiça do Trabalho em Imperatriz; Advogados fazem protesto hoje; Ato público alerta para possível fechamento da Justiça do Trabalho. Do jornal O Imparcial: Justiça do Trabalho pode parar em setembro. Em editorial, o jornal O PROGRESSO enfatiza no título: Fechar, jamais!, ressaltando que “espanta-nos a informação sobre a grande possibilidade de o Fórum da Justiça do Trabalho fechar as portas em Imperatriz. Inacreditável!” Já o desembargador presidente do Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região (TRT–MA), James Magno Araújo Farias, em brado retumbante e, diga-se, necessário, clama: “Devemos nos unir contra essa tentativa de retrocesso social, de desrespeito à Constituição Federal e à dignidade do trabalhador. O silêncio e a omissão cobram seu preço, cedo ou tarde.”
Desembargador James Magno, permita-me este diálogo, não adiro ao silêncio, que é sempre o refúgio dos covardes. Faço esta primeira afirmação: a Justiça do Trabalho, como muitas instituições brasileiras, estão sendo vítimas da crueldade da lógica neoliberal, consistente na desregulação (ou flexibilização, como queiram) das conquistas sociais. O primeiro brado, agora esquecido no silêncio, foi dado lá atrás, pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, quando, com veemência do seu sociologismo de araque, vociferou: – Acabou a era Vargas! Houve um silêncio sepulcral, na acepção ferina, porém adequada, de Nelson Rodrigues. Tivemos as doações do patrimônio público da nossa pátria amada e desamada, sob o rótulo infame de privatizações. Parte desse patrimônio foi vendido-doado a preço de banana, com a ativa participação de membros do governo, que chegaram a declarar que estavam nos limites da responsabilidade.
Desembargador James Magno, a preocupação não é só sua, é de todos nós. Felizmente, a Constituição da República do Brasil, que não é a república (com letra minúscula mesmo) do Temer, consagra no título, referente aos direitos e garantias fundamentais, um capítulo específico dos direitos sociais, contemplando os trabalhadores urbanos e rurais. A nossa vetusta CLT, mas ainda necessária, porquanto vigente num país em que a marca distintiva é a desigualdade, protege esse trabalhador, definindo a figura do empregado (art. 3º) e do empregador (art. 2º), bem como o que seja relação de emprego, caracterizada pela não eventualidade, subordinação e onerosidade. São requisitos que apontam para higidez de uma atividade laborativa em que uma das partes contratantes é mais vulnerável e deve ter a sua dignidade preservada.
Quando iniciei a minha vida profissional, fui advogado trabalhista. Advoguei mais para o empregado do que para a empresa-empregadora. Quando juiz, no início da carreira, acumulei a função de processar e julgar as questões trabalhistas, onde não havia Junta de Conciliação, hoje Vara de Trabalho. O exercício dessas atividades jurídicas demanda do profissional que por elas envereda não apenas a vocação de servir, mas, acima de tudo, uma formação filosófica e sociológica, construída no embate do dia a dia, para que as decisões sejam sedimentadas pelos mais profundos postulados da Justiça.
Vive-se o drama, eminentemente humano, de ser justo. E isso num país de desigualdades gritantes é um desafio, sobretudo quando a mentalidade colonizadora não se divorciou da cultura daquele que tudo teve e tem.
Desembargador James Magno, estamos caminhando inevitavelmente para a terceirização. Tipo de prestação de serviço, formada por uma relação trilateral entre o trabalhador, o intermediador da mão de obra (empregador aparente, formal ou dissimulado) e o tomador de serviços (empregador real ou natural). Apenas a Súmula 331 do TST estabelece limites a essa modalidade de prestação de serviços, fixando as situações possíveis para que se tenha uma terceirização lícita, que, em se tratando de serviços especializados, devem estar ligados a atividade-meio do tomador.
Pois bem, desembargador, projetos de terceirização, pelo que li a respeito, a tramitarem no Congresso Nacional, são amplos, incluindo a atividade-fim empresarial, para atender à política flexibilizadora, exigida pela globalização neoliberal e pelo mercado. O ministro da Casa Civil, Eliseu Padilha (não sei se ainda no governo; todo dia sai um) veio aos jornais para, em brado também retumbante, dizer que o país precisa caminhar no rumo da terceirização, porque satisfaz o empresariado, especialmente o setor industrial (Folha de São Paulo, Mercado, p. A19, 17/6/2016). Não sei bem, desembargador, se essa guinada é benéfica para a Justiça do Trabalho, uma vez que a CLT, com a terceirização, praticamente vai pro brejo. A terceirização, imposta de forma ampla e geral, me traz a certeza quase absoluta que os setores conservadores iniciarão o discurso da extinção da Justiça do Trabalho. Como não gosto do silêncio, fica esta minha especulação. Mas, seguro morreu de velho. Todo cuidado é pouco.
Comentários